Helena Maria Carvalho Ferraz

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Eneida Carvalho Ferraz Cruz, da ACLAC

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Helena Maria Carvalho Ferraz, patrona nº 14 da ACLAC, nasceu aos 20 de maio de 1948 na cidade de Silvestre Ferraz, hoje Carmo de Minas, filha de Pedro Carlos Junqueira Ferraz, advogado, e Maria Aparecida Carvalho Ferraz, professora. Com dois anos de idade, mudou-se para Extrema, sede comarca para a qual seu pai fora designado promotor de justiça. Aos 10 anos, com a promoção do pai, transferiu-se para Cambuí, onde cursou a primeira turma do então Ginásio “Antônio Felipe de Salles”, do qual tinha, curiosamente, a matrícula de número 1! Também curioso é o fato de que viria a lecionar nesta escola por um ano, quando teve que interromper por um período seus estudos universitários em razão de uma cirurgia para corrigir sequelas da poliomielite que contraíra aos sete anos de idade. E que já a levara a um longo tratamento no Rio de Janeiro em plena infância. Sempre se destacou como estudante, fosse por sua inteligência e seu desempenho, fosse por sua liderança.

Formada em Farmácia e Bioquímica pela UFMG em 1971, em Belo Horizonte, transferiu-se a seguir para São Paulo, onde realizou o mestrado e o doutorado em Química Orgânica no Instituto de Química da USP, escola da qual viria a se tornar professora em 1983. Antes de passar no concurso pare este cargo, que exerceu até o fim da vida, Helena foi pesquisadora do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa), no Brasil, e do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), na França, onde viveu nos anos de 1981 e 1982. Publicou dezenas de trabalhos nas principais revistas de química do Brasil e do mundo. Como pesquisadora do CNPq teve destacada participação na adaptação do álcool para uso como combustível de automóveis, nos tempos do então chamado Proálcool. Orientou, na Universidade de São Paulo, 12 dissertações de mestrado e 17 teses de doutorado, além de ter sido convidada para participar de dezenas de bancas examinadoras de teses em todo o Brasil. Foi membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de Química e fundadora e editora da revista Química Nova, a mais importante de sua área no país. Chegou a cursar, por hobby, a graduação em Letras da USP, dado seu interesse pela língua portuguesa e pela literatura brasileira. Sempre foi rigorosa e exigente no uso do vernáculo.

Faleceu no ano de 2007, por complicações de saúde decorrentes de um câncer. Já no fim da vida, adquiriu uma das últimas casas antigas da Av. Tiradentes, em Cambuí, e tratou de restaurá-la com esmero, por puro amor ao pouco que sobrara do nosso patrimônio histórico. Após sua morte, a casa que preservou com tanto carinho foi vendida e, infelizmente, demolida de forma brutal, mesmo tendo sido decretada patrimônio da cidade.

Seu perfil

Nascida nos anos do pós-guerra, Helena foi criada por pais imbuídos do espírito de renovação e de modernidade que caracterizava a época. Ainda em tenra idade, aos dois anos, já costumava sair sozinha pelas ruas da cidade de Extrema, onde passou a infância, em direção a casas de conhecidos ou simplesmente para brincar, como relatam aquelas que testemunharam sua participação na malhação do Judas em um sábado de Aleluia. Sua curiosidade e sua sede de conhecimento, assim como sua independência, já se manifestavam nessa época. Desde muito pequena, mostrava espírito de liderança, iniciativa e independência. Um caso interessante que ilustra essa faceta se deu quando sua mãe, para inaugurar a geladeira - novidade em 1955 – resolveu fazer um sorvete. Uma vez que este estava pronto, Helena arrebanhou na rua uma dúzia de crianças para comemorar. Não houve outro jeito senão reparti-lo entre as crianças em volta da mesa, e cada um comer apenas um pedacinho... Assim era Helena: o que era dela era também dos outros.

Generosa, mão aberta, sempre pronta a orientar, ajudar e acudir quem estava ao seu redor. Alunos e sobrinhos obtinham tudo dela. Mas não lhe faltava rigor no trato com eles, de quem cobrava a perfeição: nos atos, nos trabalhos, nas pesquisas, na escrita das dissertações e teses e até mesmo no bom português de um simples bilhete. Não fazia concessão ao erro ou ao esquecimento, nem admitia que “os seus” fossem relapsos.

Apaixonada por tudo que fazia, entregava-se a uma causa de corpo e alma. Podia ser na eleição do “rei do rock” do Brasil, levantada pela Revista do Rock, na década de 1960, na qual contribuiu para a vitória de Ronnie Cord, cantor não tão conhecido assim, convencendo as amigas e colegas de escola a enviarem votos. Ou então na fundação da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) ou na criação da revista Química Nova, uma das mais importantes revistas científicas da área da Química do Brasil, para não dizer a mais importante. Além de aluna aplicada, seja no colégio, seja na universidade, Helena sempre foi autodidata. Aprendeu sozinha a língua inglesa, primeiro “tirando” letras das canções de rock’n roll, depois estudando no livro do grande químico Boyd, bíblia dos estudantes de Farmácia para o qual não havia, em sua época de faculdade, tradução para o português. Com esse inglês, escreveu trabalhos científicos publicados internacionalmente, bem como contribuiu com a redação de artigos de dezenas de alunos e orientandos na Universidade de São Paulo. Assim foi também com a língua francesa, que dominava com perfeição.

Corajosa, suportou desde a tenra idade de oito anos - e para sempre - inúmeras cirurgias para correção de sequelas deixadas pela poliomielite. Mas em tempo algum fazia disso motivo para obtenção de qualquer benefício, desprezando o estoicismo como bandeira de autopromoção. Sua tolerância à dor e seu despojamento de bens materiais eram autênticos, chegando mesmo a ser constrangedor, para os que assim não eram, ter que conviver com tamanha franqueza, verdade e autenticidade.

Dona de um carisma peculiar e de incontestável competência científica, desde o início de suas atividades como docente do Instituto de Química da USP formou um ativo grupo de pesquisa, atraindo um grande número de alunos de graduação e de pós-graduação. O trabalho de cientista, assim como costuma ser o do artista, era para ela a própria diversão. Ela não usaria a palavra “lazer”, nesse caso. Rigorosa com tudo, também o era com a escolha das palavras, criticando duramente os modismos vocabulares que não faziam sentido. Vanguardista, sua maior diversão era cozinhar e reunir, numa verdadeira comunhão, as pessoas queridas - às vezes mais de 50 - em seu pequeno apartamento na Rua dos Pinheiros, em São Paulo. Isso em um tempo em que não era nem um pouco moda ser chef! Gostava de dizer que, para quem soubesse cozinhar, era mais fácil aprender química.

Erudita, sempre alegre e simples ao extremo, questionava tudo e a todos. Queria saber a razão de cada frase e cada atitude daqueles que lhe eram próximos: amigos, colegas, alunos, familiares.

Esses eram os principais traços da personalidade de Helena, que marcou para sempre quem com ela conviveu.


Eneida Carvalho Ferraz Cruz, em 16 de junho de 2012. Eneida é irmã de Helena Maria Carvalho Ferraz.