Maciço do Cruzeiro - paisagem cultural, patrimônio paisagístico e ambiental cambuiense

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Benedito Tadeu de Oliveira, da ACLAC

O Maciço do Cruzeiro, também conhecido como Pedreira, Morro do Cruzeiro ou simplesmente Cruzeiro é o marco natural mais importante do Município de Cambuí. Além do valor cultural, possui também grande valor paisagístico e ambiental, já que está dentro do perímetro urbano e integrado à imagem da cidade. Ou melhor, ao longo dos anos, a cidade se integrou ao Maciço do Cruzeiro, porque ele se formou há alguns milhões de anos atrás; “assistiu” ao nascimento de Cambuí e acompanhou o seu crescimento desde 1834, quando a cidade foi transferida do atual bairro rural de Cambuí Velho para cá.

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1. Década de 40. A igreja em reforma; no fundo, o Maciço do Cruzeiro ainda inexplorado. Fotografia atribuída a Cornélio Lambert.

Se fossemos fazer um logotipo fidedigno de Cambuí, certamente ele apareceria de alguma forma como “símbolo” importante da cidade. Não é absurdo dizer que o Maciço do Cruzeiro está para Cambuí, assim como o Pico do Corcovado ou o Morro do Pão de Açúcar estão para a cidade do Rio de Janeiro. Não é absurdo dizer também que é um privilégio para Cambuí ter em seu território urbano um marco natural tão significativo. Existem outros casos de marcos naturais que personalizam as cidades e são elementos de suas identidades territoriais. Em Minas Gerais, podemos listar o Pico do Itacolomi - em Ouro Preto, a Serra de São José - em Tiradentes, a Serra dos Cristais - em Diamantina, a Serra do Ouro Branco - em Ouro Branco, a Serra do Curral - em Belo Horizonte etc. Estão todos protegidos por Lei.

No início do século XX, o Maciço do Cruzeiro era propriedade do Major Higino de Oliveira Cézar. Constituía uma extensão do quintal de sua residência na Avenida Tiradentes (atual nº 220 ), então via de entrada e saída da cidade.

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2. Década de 50. À esquerda, residência em estilo neogótico do Major Higino César na Avenida Tiradentes (atual nº 220). Fotografia atribuída a Cornélio Lambert.


De uma mina situada nos pés do Maciço, o Major canalizou uma água cristalina de qualidades minerais até a Avenida Tiradentes, onde ele implantou um pequeno chafariz parietal para o uso gratuito de toda a comunidade. O registro dessa fonte existiu até bem pouco tempo atrás, em muro vizinho à casa nº 272, destruída pela especulação imobiliária na noite de 29/06/2011.

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3. Década de 50. À esquerda, as propriedades do Major Higino César e, em primeiro plano, o pequeno chafariz parietal. Fotografia de autor desconhecido.

Posteriormente, na segunda metade da década de 50, o Maciço do Cruzeiro forneceu material para a construção da rodovia Fernão Dias. Quando as primeiras dinamites explodiram, com o fim de retirar brita para as obras de asfaltamento da rodovia, a população local, que tinha uma forte relação afetiva com o Maciço do Cruzeiro, exclamava: “Ah, ! Vão acabar com a Pedreira do Gino !...”. O Maciço do Cruzeiro não só contribuiu para a construção da rodovia Fernão Dias como também resistiu às dinamites.

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4. Final da década de 50. No alto à esquerda; exploração de brita no Maciço do Cruzeiro para a construção da rodovia Fernão Dias. Fotografia de autor desconhecido.

O ano de 1961 em Cambuí foi marcado pelas cerimônias religiosas das Santas Missões, em especial o percurso de uma Via Sacra, tendo como início a escadaria principal da igreja Matriz. Nesses eventos religiosos, uma grande cruz de madeira foi transportada pelas mulheres ao longo de um trajeto que culminou no alto do Maciço do Cruzeiro, local onde foi instalada. Durante o percurso da procissão, alternaram-se sobre a cruz os padres redentoristas, membros da Congregação do Santíssimo Redentor, que vieram a Cambuí com a missão de redimir “os pecadores da cidade”.

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5. Década de 60. Santas Missões, descendo a Rua Governador Valadares. Fotografia de autor desconhecido.

Posteriormente no caminho de acesso ao alto do Maciço, foram construídas pequenas capelas para configurar o percurso como uma “verdadeira” Via Sacra. Pode se considerar que a Via Sacra das Santas Missões foi um evento comunitário importante no sentido de permitir a apropriação coletiva desse bem ambiental e paisagístico. Nessa época, o Maciço pertencia ao Sr. Cândido de Brito Lambert (Candoca), cuja esposa, Maria Cezar de Brito, era uma das filhas do Major Higino de Oliveira César. Candoca, como o Major, era também um homem generoso; permitiu a construção, no seu terreno, das capelas que compuseram a Via Sacra e a instalação da cruz de madeira no topo do Maciço.

Ainda na década de 60, o Maciço do Cruzeiro abrigou uma simpática torre de televisão construída pelo Sr. Avelino Benedito Salles Bayeux. A torre de madeira tinha uma escada interna com patamares e era coroada por uma estrela de cinco pontas de neon na cor azul que acendia toda a noite. Era o sinal dos tempos; a modernização do País promovida pelo governo de Juscelino Kubitschek chegava em Cambuí e, com ela, também a televisão. Essa torre, edificada com um sistema construtivo totalmente reversível, foi se degradando ao longo dos anos até o seu desmonte completo. Já no final do século XX, foram instaladas sem nenhum critério técnico, no topo do Maciço, torres de estruturas metálicas para atender às concessionárias de telefonia celular. Essas torres que foram instaladas nas proximidades do local onde foi implantada a antiga cruz necessitam ser adequadas e transferidas de lugar para evitar a descaracterização da paisagem urbana e territorial de Cambuí.

O Maciço do Cruzeiro ilustra o caso de paisagem que é soma de território + cultura, tratando-se, portanto, de uma definição ambiental e cultural acrescida de uma motivação social. Esse último aspecto é igualmente importante, uma vez que o Maciço possui vista privilegiada da cidade e da região; é espaço nobre com vocação para uso público destinado ao lazer e às atividades científicas e religiosas.

A especulação imobiliária - que vem contribuindo para a descaracterização da cidade, degradando a sua qualidade de vida por meio da destruição do seu patrimônio cultural e ambiental - moveu-se também para apoderar-se do marco natural mais importante de Cambuí. Trata-se de um comportamento contrário àqueles adotados pelo saudoso Candoca e pelo Major Higino Cézar, que entenderam a importância de compartilhar um bem “privado” em favor do coletivo. A especulação imobiliária, capitaneada pelos “novos ricos” da cidade tentou mais de uma vez se apropriar e privatizar um bem “coletivo”.

Por outro lado, o poder público municipal precisa tomar iniciativas no sentido de estabelecer políticas públicas urbanas em prol da coletividade protegendo esse importante bem cultural, natural e paisagístico de Cambuí. O poder público deve se mobilizar para proteger o patrimônio cultural, ambiental e paisagístico cambuiense, e não aprovar projetos de loteamentos que promovem a apropriação privada da paisagem cultural, por uma “elite econômica”, em detrimento da sua democratização para toda a coletividade.

Não apareceu ainda governo com sensibilidade e coragem para destinar integralmente o Maciço do Cruzeiro à sua verdadeira vocação de espaço de uso público: no seu topo, áreas de lazer destinadas às atividades de contemplação e na sua base, implantação de equipamentos urbanos explorando as qualidades acústicas da cava que surgiu em consequência da exploração de brita.

Partindo do princípio já notório de que a paisagem hoje deve ser percebida e entendida como um patrimônio público da cidade e dos cidadãos, o Sindicato dos Arquitetos de Minas Gerais – Sinarq/MG entrou em 2012, com representação junto ao Ministério Público Estadual, no sentido de acionar as instituições da cidade responsáveis pela tutela do patrimônio cultural e ambiental urbano, evitando essa grave ameaça à paisagem cultural de Cambuí e garantindo o direito de fruição coletiva da paisagem a todos os cambuienses.

No entanto, o Maciço do Cruzeiro só estará definitivamente “salvo” quando estiver protegido por Lei e esta será a próxima iniciativa do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural de Cambuí.

Salvemos o Maciço do Cruzeiro !


Benedito Tadeu de Oliveira nasceu em Cambuí em 1955, graduou-se em arquitetura pela Universidade de Brasília – UnB (1980) e doutorou-se em Restauração de Monumentos na Universidade de Roma – La Sapienza (1985).