Editando João Belisário, sua vida e seus crimes

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'''José dos Reis''', patrono da ACLAC
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'''José dos Reis'''
 
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== Prefácio ==
 
== Prefácio ==
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'''O Maestro José dos Reis'''
 
'''O Maestro José dos Reis'''
  
''Como se guarda uma relíquia num sarcófago santo, o joanopolense guarda, no fundo do seu coração, a lembrança dos seus grandes homens''
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''Como se guarda uma relíquia num sarcófago santo, o joanopolense guarda, no fundo do seu coração, a lembrança dos seus grandes homens.''
(José dos Reis, 1958).
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(José dos Reis, 1958)  
  
 
Escrever sobre este homem para mim é um grande orgulho e também um dever, pelo fato de ter dedicado parte de sua vida ao jornalismo e a história, tal qual faço hoje, além de dedicar-se a música, um dos seus grandes feitos. Porém, não é tarefa fácil tendo em vista que o mesmo era um homem das letras, ilustrado e grande conhecedor do nosso idioma nacional, portanto, ficam aqui minhas humildes desculpas por algumas falhas.  
 
Escrever sobre este homem para mim é um grande orgulho e também um dever, pelo fato de ter dedicado parte de sua vida ao jornalismo e a história, tal qual faço hoje, além de dedicar-se a música, um dos seus grandes feitos. Porém, não é tarefa fácil tendo em vista que o mesmo era um homem das letras, ilustrado e grande conhecedor do nosso idioma nacional, portanto, ficam aqui minhas humildes desculpas por algumas falhas.  
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Apaixonado pela música, ganhou um concurso musical, tendo seu maxixe “Maluco” incluído no disco “Mozart e sua bandinha: onde canta o sabiá”, gravado pela RCA Victor no ano de 1958.  
 
Apaixonado pela música, ganhou um concurso musical, tendo seu maxixe “Maluco” incluído no disco “Mozart e sua bandinha: onde canta o sabiá”, gravado pela RCA Victor no ano de 1958.  
  
Em meados de março de 1958 fundou o ''Nosso Jornal'', um dos melhores órgãos de imprensa de toda história joanopolense, exímio jornalista, cuidadoso revisor, bom redator e grande cronista. Ao ''Nosso Jornal'' devemos muito da divulgação e perpetuação da nossa história. Apesar de toda dificuldade financeira conseguiu manter este importante órgão da imprensa até o ano de 1963. No jornalismo ainda foi colaborador do ''O Piracaieanse'' e a ''A Gazeta de Cambuí'', com crônicas, reportagens, contos e poesia.  
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Em meados de março de 1958 fundou o “Nosso Jornal”, um dos melhores órgãos de imprensa de toda história joanopolense, exímio jornalista, cuidadoso revisor, bom redator e grande cronista. Ao “Nosso Jornal” devemos muito da divulgação e perpetuação da nossa história. Apesar de toda dificuldade financeira conseguiu manter este importante órgão da imprensa até o ano de 1963. No jornalismo ainda foi colaborador do “O Piracaieanse” e a “A Gazeta de Cambuí”, com crônicas, reportagens, contos e poesia.  
  
Ainda nas letras escreveu o livro '''João Belisário, sua vida e seus crimes''', publicado em 1955, contando a saga deste matador de aluguel da primeira metade do século passado, na região sul-mineira e zona Bragantina, bem como o conto “Desafortunados” - livreto publicado em 1950 - e o livro “Miscelânea” que, infelizmente, não teve a oportunidade de publicar.  
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Ainda nas letras escreveu o livro “João Belisário, sua vida e seus crimes”, publicado em 1955, contando a saga deste matador de aluguel da primeira metade do século passado, na região sul-mineira e zona Bragantina, bem como o conto “Desafortunados” - livreto publicado em 1950 - e o livro “Miscelânea” que, infelizmente, não teve a oportunidade de publicar.  
  
 
Esse grande mestre e profundo colaborador - em todos os sentidos - do município de Joanópolis casou-se em 26 de novembro de 1921, em Cambuí, Minas Gerais, com D. Maria Amélia dos Santos (depois conhecida por Maria dos Santos Reis), com quem teve nove filhos: Jabes, Nadir, Jercy, Jessé, Naide, Nereide, Antônia, Jader e Nilza, sendo estes dois últimos naturais de Joanópolis e os demais da cidade de Cambuí, onde residia. Faleceu em 15 de abril de 1969, aos setenta anos de idade, sendo até hoje lembrado com carinho e admiração pelo nosso povo.  
 
Esse grande mestre e profundo colaborador - em todos os sentidos - do município de Joanópolis casou-se em 26 de novembro de 1921, em Cambuí, Minas Gerais, com D. Maria Amélia dos Santos (depois conhecida por Maria dos Santos Reis), com quem teve nove filhos: Jabes, Nadir, Jercy, Jessé, Naide, Nereide, Antônia, Jader e Nilza, sendo estes dois últimos naturais de Joanópolis e os demais da cidade de Cambuí, onde residia. Faleceu em 15 de abril de 1969, aos setenta anos de idade, sendo até hoje lembrado com carinho e admiração pelo nosso povo.  
 
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Como as palavras têm poder, não poderia deixar de citar um trecho da matéria do jornal “Segunda Juventude”, do ano de 1972, escrito por Alfredo Ênio Duarte: “Algum dia, quando contemplarmos uma rua ou avenida de Joanópolis, em cuja placa figure o nome de José dos Reis, reverenciaremos o jornalista, o escritor, o maestro, o amante da língua portuguesa e o mais autêntico joanopolense de outras terras”. Décadas mais tarde, uma das ruas de nossa cidade passou a ostentar o nome de “Maestro José dos Reis”. E a biblioteca da Escola Vicente Camargo Fonseca, desde 24 de junho de 1996, o tem por patrono.  
Como as palavras têm poder, não poderia deixar de citar um trecho da matéria do jornal ''Segunda Juventude'', do ano de 1972, escrito por Alfredo Ênio Duarte: ''Algum dia, quando contemplarmos uma rua ou avenida de Joanópolis, em cuja placa figure o nome de José dos Reis, reverenciaremos o jornalista, o escritor, o maestro, o amante da língua portuguesa e o mais autêntico joanopolense de outras terras''. Décadas mais tarde, uma das ruas de nossa cidade passou a ostentar o nome de '''Maestro José dos Reis'''. E a biblioteca da Escola Vicente Camargo Fonseca, desde 24 de junho de 1996, o tem por patrono.  
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A José dos Reis e família, nosso eterno agradecimento.
 
A José dos Reis e família, nosso eterno agradecimento.
  
''Valter Cassalho''
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''Valter Cassalho'', 8 de novembro de 2013
  
 
== Introdução ==
 
== Introdução ==
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Se tivéssemos cultura faríamos obra melhor, ampliada, mas os nossos conhecimentos se limitam aos adquiridos em três anos nos bancos de um velho Grupo Escolar, na ocasião sob a direção do bondoso professor Maximiano José de Brito Lambert. Que o amigo feche os olhos aos gatos e gatinhos que neste livrete encontrar. É o nosso pedido.
 
Se tivéssemos cultura faríamos obra melhor, ampliada, mas os nossos conhecimentos se limitam aos adquiridos em três anos nos bancos de um velho Grupo Escolar, na ocasião sob a direção do bondoso professor Maximiano José de Brito Lambert. Que o amigo feche os olhos aos gatos e gatinhos que neste livrete encontrar. É o nosso pedido.
  
''Joanópolis, setembro de 1955.''
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Joanópolis, setembro de 1955.
 
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== Capítulo I ==
 
== Capítulo I ==
  
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Dias depois do fato delituoso o criminoso apresenta-se à prisão declarando ter praticado o crime por questões de honra, pois seu padrasto havia faltado com o devido respeito para com sua senhora, sendo então recolhido à Cadeia Pública de Cambuí. Um dia, porém, quando fazia os serviços de faxina, fora da prisão, driblou o guarda Izaque, baixinho e meio sardento, fugindo espetacularmente às oito horas da manhã indo homiziar-se num cafezal, ao alto de uma serra, pertencente a um seu amigo, fazendeiro no bairro denominado Fazenda dos Soares, entre Anhumas e Vargem do Paiol. Depois de um descanso de quase três meses fora do xilindró, João Belisário apresenta-se novamente à prisão para ser submetido a julgamento, alcançando a absolvição pela dirimente da completa perturbação dos sentidos e da inteligência no ato de praticar o crime. Absolvido, Belisário volta ao seu bairro continuando a viver honestamente e como homem trabalhador.
 
Dias depois do fato delituoso o criminoso apresenta-se à prisão declarando ter praticado o crime por questões de honra, pois seu padrasto havia faltado com o devido respeito para com sua senhora, sendo então recolhido à Cadeia Pública de Cambuí. Um dia, porém, quando fazia os serviços de faxina, fora da prisão, driblou o guarda Izaque, baixinho e meio sardento, fugindo espetacularmente às oito horas da manhã indo homiziar-se num cafezal, ao alto de uma serra, pertencente a um seu amigo, fazendeiro no bairro denominado Fazenda dos Soares, entre Anhumas e Vargem do Paiol. Depois de um descanso de quase três meses fora do xilindró, João Belisário apresenta-se novamente à prisão para ser submetido a julgamento, alcançando a absolvição pela dirimente da completa perturbação dos sentidos e da inteligência no ato de praticar o crime. Absolvido, Belisário volta ao seu bairro continuando a viver honestamente e como homem trabalhador.
  
Decorrido um ano após o sensacional julgamento na cidade, corre o boato de que Belisário bate constantemente em sua mãe por ter descoberto ter sido ela a causa que determinou a morte de seu padrasto, pois tudo não passara de intriga e invencionice da velha Maria Cassalho que, fazendo do filho um instrumento de sua maldade, desvencilhara-se facilmente do marido. Pela autoridade policial da comarca foi iniciado processo criminal contra a progenitora de Belisário.
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Decorrido um ano após o sensacional julgamento na cidade, corre o boato de que Belisário bate constantemente em sua mãe por ter descoberto ter sido ela a causa que determinou a morte de seu padrasto, pois tudo não passara de intriga e invencionice da velha Maria Cassalho que, fazendo do filho um instrumento de sua maldade, desvencilhara-se facilmente do marido. Pela autoridade policial da comarca foi iniciado processo criminal contra a progenitora de Belisário.
  
 
== Capítulo II ==
 
== Capítulo II ==
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Quando menos esperava estava à entrada de Camanducaia sob um sol quente e abrasador. O relógio da Matriz da cidade, nesse momento, anunciou, em badaladas firmes e sonoras, as dez horas da manhã. À minha mente veio então a figura de Belisário, tagarelando pelos botequins da cidade contando sua vida e suas façanhas — e ao ver-me, de longe, vir correndo para mim, sorrindo e contente, para descrever-me seus crimes. Diante de tais pensamentos não vacilei nem hesitei tomando a primeira rua da direita, deserta e sem moradores, indo sair um pouco acima da caixa d’água, na saída para Itapeva. Não havia ainda caminhando duzentos metros depois que deixara a cidade quando ouvi o galopar de um animal que, segundo me parecia, vinha de rédeas soltas e a toda velocidade. Voltando-me na sela quase tive um desmaio ao reconhecer no cavaleiro que galopava, querendo me alcançar, o conterrâneo João Belisário, trazendo ao ombro a sua inseparável “44”. Quando alcançou-me eu não sabia onde estava, a cor que tinha no rosto e se sofria de tremedeira.
 
Quando menos esperava estava à entrada de Camanducaia sob um sol quente e abrasador. O relógio da Matriz da cidade, nesse momento, anunciou, em badaladas firmes e sonoras, as dez horas da manhã. À minha mente veio então a figura de Belisário, tagarelando pelos botequins da cidade contando sua vida e suas façanhas — e ao ver-me, de longe, vir correndo para mim, sorrindo e contente, para descrever-me seus crimes. Diante de tais pensamentos não vacilei nem hesitei tomando a primeira rua da direita, deserta e sem moradores, indo sair um pouco acima da caixa d’água, na saída para Itapeva. Não havia ainda caminhando duzentos metros depois que deixara a cidade quando ouvi o galopar de um animal que, segundo me parecia, vinha de rédeas soltas e a toda velocidade. Voltando-me na sela quase tive um desmaio ao reconhecer no cavaleiro que galopava, querendo me alcançar, o conterrâneo João Belisário, trazendo ao ombro a sua inseparável “44”. Quando alcançou-me eu não sabia onde estava, a cor que tinha no rosto e se sofria de tremedeira.
  
Com seu animal juntinho ao meu, tão paralelos que os nossos pés se encontravam, João Belisário foi logo dizendo:  
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Com seu animal juntinho ao meu, tão paralelos que os nossos pés se encontravam, João Belisário foi logo dizendo: — “Olá, José, você por estas bandas? Como vai o nosso povinho, a sua família, os nossos amigos?” Fazendo um esforço supremo consegui gesticular qualquer coisas como a dizer-lhe que o povo ia bem, com saúde e, aliás, satisfeito, ao mesmo tempo em que também lhe perguntava pela família, como estava passando e se estava dando algumas voltinhas.
 
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— “Olá, José, você por estas bandas? Como vai o nosso povinho, a sua família, os nossos amigos?” Fazendo um esforço supremo consegui gesticular qualquer coisas como a dizer-lhe que o povo ia bem, com saúde e, aliás, satisfeito, ao mesmo tempo em que também lhe perguntava pela família, como estava passando e se estava dando algumas voltinhas.
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— Estou, respondeu-me ele, continuando com a palavra: com a crise que ora atravessamos, você sabe, não podemos parar. Em casa não se ganha nada e a gente andando um pouco algum negócio sempre se arranja.
 
— Estou, respondeu-me ele, continuando com a palavra: com a crise que ora atravessamos, você sabe, não podemos parar. Em casa não se ganha nada e a gente andando um pouco algum negócio sempre se arranja.
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== Capítulo V ==
 
== Capítulo V ==
  
João Belisário dá provas de que não tem o corpo “fechado” nem é invisível nas horas precisas, fugindo em desabalada carreira ao ouvir o eco de alguns tiros.
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João Belisário dá provas de que não tem o corpo “fechado” nem é invisível nas horas precisas, fugindo em desabalada carreira ao ouvir o eco de alguns tiros
 
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Infelizmente há muita gente por este mundo de meu Deus que acredita em feitiçarias, em lobisomem, em mula sem cabeça e em outras coisas absurdas e fora de lógica que até sentimo-nos acanhados em transportá-las para o papel. Há, por exemplo, os que creem na invisibilidade de certas pessoas, que, por isso, livram-se facilmente das balas, do chumbo e das lapianas bem afiadas dos seus inimigos. Por ocasião dos acontecimentos que agora vamos narrar João Belisário residia no município de Camanducaia — e como nessa época estivesse quite com a Justiça de sua terra, semanalmente aparecia por lá demorando-se dois ou mais dias em “visita” aos conhecidos que o recebiam sempre receosos de alguma coisa. As comadres conversavam em surdina e os vizinhos, entre si, cochichavam alertando unas aos outros do perigo que corriam.
 
Infelizmente há muita gente por este mundo de meu Deus que acredita em feitiçarias, em lobisomem, em mula sem cabeça e em outras coisas absurdas e fora de lógica que até sentimo-nos acanhados em transportá-las para o papel. Há, por exemplo, os que creem na invisibilidade de certas pessoas, que, por isso, livram-se facilmente das balas, do chumbo e das lapianas bem afiadas dos seus inimigos. Por ocasião dos acontecimentos que agora vamos narrar João Belisário residia no município de Camanducaia — e como nessa época estivesse quite com a Justiça de sua terra, semanalmente aparecia por lá demorando-se dois ou mais dias em “visita” aos conhecidos que o recebiam sempre receosos de alguma coisa. As comadres conversavam em surdina e os vizinhos, entre si, cochichavam alertando unas aos outros do perigo que corriam.
 
 
Montando seu cavalo pinhão e de “44” ao ombro, João Belisário estava sempre em Cambuí causando medo aos habitantes da cidade e seus arredores e implantando o pânico entre os que com ele tinham negócios. Ninguém dormia sossegado e a tensão nervosa da maioria dos que habitavam a cidade já se tornava quase um caso patológico. Entretanto Belisário não atacava quem quer que fosse fora de determinados objetivos, e também não tinha ódio nem rancor por ninguém nem tampouco descarregava suas armas por dá cá aquela palha. Mas os cambuienses receavam a fera e evitavam a sua aproximação sem dar-lhe chance para um encontro ou uma conversa fiada. A sua convivência e as suas relações de amizade estavam afetas a meia dúzia de pessoas que o recebiam em casa mais por medo de serem por ele “marcadas” que mesmo por simpatia ou pelos negócios que com ele mantinham.  
 
Montando seu cavalo pinhão e de “44” ao ombro, João Belisário estava sempre em Cambuí causando medo aos habitantes da cidade e seus arredores e implantando o pânico entre os que com ele tinham negócios. Ninguém dormia sossegado e a tensão nervosa da maioria dos que habitavam a cidade já se tornava quase um caso patológico. Entretanto Belisário não atacava quem quer que fosse fora de determinados objetivos, e também não tinha ódio nem rancor por ninguém nem tampouco descarregava suas armas por dá cá aquela palha. Mas os cambuienses receavam a fera e evitavam a sua aproximação sem dar-lhe chance para um encontro ou uma conversa fiada. A sua convivência e as suas relações de amizade estavam afetas a meia dúzia de pessoas que o recebiam em casa mais por medo de serem por ele “marcadas” que mesmo por simpatia ou pelos negócios que com ele mantinham.  
 
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O ambiente da cidade quando estava presente João Belisário era carregado e irrespirável, por isso algumas pessoas honestas e corajosas, querendo libertar Cambuí da presença de tão perigoso indivíduo, resolveram pôr fim àquela situação eliminando o causador da intranquilidade das famílias cambuienses. Numa reunião onde compareceram várias pessoas de responsabilidade ficou deliberado que, para o benefício de todos, João Belisário devia desaparecer da face da terra, desta ou daquela maneira, a qualquer preço. Semanalmente Belisário vinha a Cambuí demorando-se de dois a três dias, e como pernoitava na casa de um amigo residente nos subúrbios da cidade, ao recolher-se todas as noites, forçosamente desceria o “Beco do Zeca Luiz”, passando em frente ao prédio onde, no começo desta história, localizamos o Hotel dos Viajantes. Ficou concertado então entre os que compunham o grupo que cinco deles, armados e municiados, esperariam Belisário em determinado lugar — e quando ele por ali passasse seria alvejado sem dó nem piedade a tiros de revólveres, de espingardas — e até de um velho trabuco que um morador do Cambuí Velho guardava como lembrança e relíquia da Guerra do Paraguai. Entretanto a turma esperou em vão que a caça aparecesse, mas ela, esperta e ativa como ninguém, farejara a presença dos caçadores e dera às de Vila Diogo. Inexplicavelmente, daquele dia em diante, Belisário deixou de passar por aquele beco, afastando-se da casa onde antigamente morara o velho farmacêutico Zeca Luiz.
O ambiente da cidade quando estava presente João Belisário era carregado e irrespirável, por isso algumas pessoas honestas e corajosas, querendo libertar Cambuí da presença de tão perigoso indivíduo, resolveram pôr fim àquela situação eliminando o causador da intranquilidade das famílias cambuienses. Numa reunião onde compareceram várias pessoas de responsabilidade ficou deliberado que, para o benefício de todos, João Belisário devia desaparecer da face da terra, desta ou daquela maneira, a qualquer preço. Semanalmente Belisário vinha a Cambuí demorando-se de dois a três dias, e como pernoitava na casa de um amigo residente nos subúrbios da cidade, ao recolher-se todas as noites, forçosamente desceria o “Beco do Zeca Luiz”, passando em frente ao prédio onde, no começo desta história, localizamos o Hotel dos Viajantes. Ficou concertado então entre os que compunham o grupo que cinco deles, armados e municiados, esperariam Belisário em determinado lugar — e quando ele por ali passasse seria alvejado sem dó nem piedade a tiros de revólveres, de espingardas — e até de um velho trabuco que um morador do Cambuí Velho guardava como lembrança e relíquia da Guerra do Paraguai. Entretanto a turma esperou em vão que a caça aparecesse, mas ela, esperta e ativa como ninguém, farejara a presença dos caçadores e dera às de Vila Diogo.  
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Inexplicavelmente, daquele dia em diante, Belisário deixou de passar por aquele beco, afastando-se da casa onde antigamente morara o velho farmacêutico Zeca Luiz.
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Cansada de passar noites sem dormir e de aguardar a passagem de alguém que parecia não existir, resolve a turma traçar novo plano pondo-o logo em ação. No primeiro dia em que Belisário aparecesse na cidade, três ou quatro do grupo o esperariam na saída para Camanducaia — e quando por eles passasse seria mandado para a cidade dos pés juntos ou para o beleléu. Firmes nessa resolução esperaram a oportunidade que não se fez esperar. Poucos dias depois João Belisário apareceu na cidade montando seu cavalinho pinhão. Na tarde daquele mesmo dia três pessoas pertencentes à sociedade cambuiense subiram, sutilmente, o Morro do Cemitério aguardando, dentro de um valo à margem da estrada, a passagem de sua “presa” que naquele dia, com toda certeza, não escaparia às suas balas. Em posição de fogo, distanciados 25 metros mais ou menos um do outro para evitar que os três disparassem suas armas ao mesmo tempo, aguardavam com paciência a passagem de Belisário.
 
Cansada de passar noites sem dormir e de aguardar a passagem de alguém que parecia não existir, resolve a turma traçar novo plano pondo-o logo em ação. No primeiro dia em que Belisário aparecesse na cidade, três ou quatro do grupo o esperariam na saída para Camanducaia — e quando por eles passasse seria mandado para a cidade dos pés juntos ou para o beleléu. Firmes nessa resolução esperaram a oportunidade que não se fez esperar. Poucos dias depois João Belisário apareceu na cidade montando seu cavalinho pinhão. Na tarde daquele mesmo dia três pessoas pertencentes à sociedade cambuiense subiram, sutilmente, o Morro do Cemitério aguardando, dentro de um valo à margem da estrada, a passagem de sua “presa” que naquele dia, com toda certeza, não escaparia às suas balas. Em posição de fogo, distanciados 25 metros mais ou menos um do outro para evitar que os três disparassem suas armas ao mesmo tempo, aguardavam com paciência a passagem de Belisário.
 
 
— Se ele passar por mim e eu errar, disse o primeiro dirigindo-se ao que ia ficar no meio, não escapará de você — e se por uma bamba você não acertar ele não escapará de Fulano que é o melhor atirador sul-mineiro. Se ele acerta numa moeda de 200 réis a trinta metros de distância não é crível que naquele corpão ele deixe de acertar.
 
— Se ele passar por mim e eu errar, disse o primeiro dirigindo-se ao que ia ficar no meio, não escapará de você — e se por uma bamba você não acertar ele não escapará de Fulano que é o melhor atirador sul-mineiro. Se ele acerta numa moeda de 200 réis a trinta metros de distância não é crível que naquele corpão ele deixe de acertar.
 
 
— É verdade, confirmou o outro piscando um olho para o companheiro.  
 
— É verdade, confirmou o outro piscando um olho para o companheiro.  
 
 
As horas pareciam não ter mais fim tal a preguiça com que se moviam os ponteiros dos relógios dos três moços dentro do valo.
 
As horas pareciam não ter mais fim tal a preguiça com que se moviam os ponteiros dos relógios dos três moços dentro do valo.
 
 
Quando o sol já se escondia atrás da Serra dos Vazes eles ouviram vozes vindas do alto do Cemitério — e para espanto dos três, Belisário não estava só. Em sua companhia, montando cavalo pampa, viajava um homem de cabelos e barba cor de fogo, reconhecido segundos depois como sendo João Vermelho, morador do bairro do Cemitério, próximo daquele lugar. Paralelamente caminhavam os dois cavaleiros com João Vermelho à direita, do lado em que estavam os rapazes. Alegres, contentes e felizes, conversando animadamente, os dois passaram pelo primeiro pistoleiro, pelo segundo e pelo terceiro sem que nenhum deles pudesse atirar. O terceiro que possuía um gênio brincalhão, depois que os cavaleiros passaram por sua frente, teve uma ideia extravagante e um pouco desconcertante: erguendo seu revólver para o ar deu ao gatilho várias vezes espantando os cavaleiros que dispararam desabaladamente enquanto o eco dos tiros reboava encostas afora.
 
Quando o sol já se escondia atrás da Serra dos Vazes eles ouviram vozes vindas do alto do Cemitério — e para espanto dos três, Belisário não estava só. Em sua companhia, montando cavalo pampa, viajava um homem de cabelos e barba cor de fogo, reconhecido segundos depois como sendo João Vermelho, morador do bairro do Cemitério, próximo daquele lugar. Paralelamente caminhavam os dois cavaleiros com João Vermelho à direita, do lado em que estavam os rapazes. Alegres, contentes e felizes, conversando animadamente, os dois passaram pelo primeiro pistoleiro, pelo segundo e pelo terceiro sem que nenhum deles pudesse atirar. O terceiro que possuía um gênio brincalhão, depois que os cavaleiros passaram por sua frente, teve uma ideia extravagante e um pouco desconcertante: erguendo seu revólver para o ar deu ao gatilho várias vezes espantando os cavaleiros que dispararam desabaladamente enquanto o eco dos tiros reboava encostas afora.
 
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Os rapazes “desconcertados” desceram o morro do Chico de Brito, margearam o rio das Antas e subiram o capoeirão que dava para a estrada dos Vazes, de onde, um a um, foram entrando na cidade. Na ocasião poucas pessoas ficaram sabendo os nomes dos que dispararam suas armas quando Belisário, em companhia de João Vermelho, passava pelo “Morro do Cemitério”.  
Os rapazes “desconcertados” desceram o morro do Chico de Brito, margearam o rio das Antas e subiram o capoeirão que dava para a estrada dos Vazes, de onde, um a um, foram entrando na cidade. Na ocasião poucas pessoas ficaram sabendo os nomes dos que dispararam suas armas quando Belisário, em companhia de João Vermelho, passava pelo “Morro do Cemitério”.
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== Capítulo VI ==
 
== Capítulo VI ==
  
Um monstro cruel e insaciável penetra altas horas da noite num ranchinho de sapé, matando, num requinte de perversidade, uma família inteira e mais os animais domésticos que se encontravam dentro de casa.
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Um monstro cruel e insaciável penetra altas horas da noite num ranchinho de sapé, matando, num requinte de perversidade, uma família inteira e mais os animais domésticos que se encontravam dentro de casa
 
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Na tarde daquele dia triste e silencioso, quando os últimos lampejos do sol já se escondiam atrás da serra distante, no bairro dos Quilins, distrito de S. José de Toledo, então pertencente ao município de Camanducaia, Pedro Quilin está apreensivo, meditabundo, como se algo de anormal estivesse para acontecer. Do terreiro de sua casa residencial, ele perscruta o horizonte como a querer desvendar o que ele próprio não saberia explicar. A três quilômetros dali vários corvos fazem evoluções, subindo e descendo, como se por ali houvesse alguma carniça. Estranhou o fazendeiro que, quase noite, os urubus sobrevoassem aquele lugar. Olhou para o poente amarelado que acabava de recolher o majestoso disco solar e viu que não era possível, àquela hora, dar uma chegada até lá — e fazendo mil conjeturas recolheu-se para dormir.
 
Na tarde daquele dia triste e silencioso, quando os últimos lampejos do sol já se escondiam atrás da serra distante, no bairro dos Quilins, distrito de S. José de Toledo, então pertencente ao município de Camanducaia, Pedro Quilin está apreensivo, meditabundo, como se algo de anormal estivesse para acontecer. Do terreiro de sua casa residencial, ele perscruta o horizonte como a querer desvendar o que ele próprio não saberia explicar. A três quilômetros dali vários corvos fazem evoluções, subindo e descendo, como se por ali houvesse alguma carniça. Estranhou o fazendeiro que, quase noite, os urubus sobrevoassem aquele lugar. Olhou para o poente amarelado que acabava de recolher o majestoso disco solar e viu que não era possível, àquela hora, dar uma chegada até lá — e fazendo mil conjeturas recolheu-se para dormir.
 
 
No dia seguinte ao amanhecer, Quilin arreia seu animal rumando para o local onde, na tarde do dia anterior, vira uns urubus em festim. Meia hora depois, já quase ao nascer do sol, Quilin estava à beira de um matagal, a poucos passos de uma picada que o levaria até o ranchinho de sapé que sabia lá existir. Esporeando seu animal Quilin segue pela picada, mato adentro, apreensivo, como se quisesse adivinhar o que, dentro em pouco, seus olho iriam ver. Aproxima-se cautelosamente da palhoça — e o que seus olhos veem aterroriza-o gelando-lhe o sangue. Imóvel em cima do animal Quilin não tem forças para descer. Contempla como um idiota o drama tétrico e pungente que tem diante de si. No interior do rancho, inanimados, seis corpos humanos começam a se decompor. São os cadáveres de um pai, de uma mãe e de quatro filhos menores assassinados traiçoeiramente às altas horas da noite. No chão úmido dois cachorros e um gato estavam deitados, mortos como os demais, massacrados e trucidados. Comovido com o lúgubre espetáculo, quase inconsciente, Quilin deixa o rancho dirigindo-se à casa de Pedro Fagundes, inspetor de quarteirão do bairro, contando-lhe o que vira e observara, pouco antes, no rancho do matagal. Pedro Fagundes, montado no seu cavalo tordilho, segue para a sede do distrito enquanto a notícia angustiante espalha-se pelos bairros vizinhos. Horas depois chegam ao bairro, acompanhados por Pedro Fagundes, as autoridades toledenses determinando a remoção dos cadáveres para Toledo. Uma onda de emoção e revolta apodera-se dos moradores dos arredores. As barbaridades praticadas contra indefesas crianças, massacradas estupidamente, não podiam ficar impunes; era preciso que o monstro pagasse caro o hediondo crime.
 
No dia seguinte ao amanhecer, Quilin arreia seu animal rumando para o local onde, na tarde do dia anterior, vira uns urubus em festim. Meia hora depois, já quase ao nascer do sol, Quilin estava à beira de um matagal, a poucos passos de uma picada que o levaria até o ranchinho de sapé que sabia lá existir. Esporeando seu animal Quilin segue pela picada, mato adentro, apreensivo, como se quisesse adivinhar o que, dentro em pouco, seus olho iriam ver. Aproxima-se cautelosamente da palhoça — e o que seus olhos veem aterroriza-o gelando-lhe o sangue. Imóvel em cima do animal Quilin não tem forças para descer. Contempla como um idiota o drama tétrico e pungente que tem diante de si. No interior do rancho, inanimados, seis corpos humanos começam a se decompor. São os cadáveres de um pai, de uma mãe e de quatro filhos menores assassinados traiçoeiramente às altas horas da noite. No chão úmido dois cachorros e um gato estavam deitados, mortos como os demais, massacrados e trucidados. Comovido com o lúgubre espetáculo, quase inconsciente, Quilin deixa o rancho dirigindo-se à casa de Pedro Fagundes, inspetor de quarteirão do bairro, contando-lhe o que vira e observara, pouco antes, no rancho do matagal. Pedro Fagundes, montado no seu cavalo tordilho, segue para a sede do distrito enquanto a notícia angustiante espalha-se pelos bairros vizinhos. Horas depois chegam ao bairro, acompanhados por Pedro Fagundes, as autoridades toledenses determinando a remoção dos cadáveres para Toledo. Uma onda de emoção e revolta apodera-se dos moradores dos arredores. As barbaridades praticadas contra indefesas crianças, massacradas estupidamente, não podiam ficar impunes; era preciso que o monstro pagasse caro o hediondo crime.
 
 
Várias autoridades policiais vindas de Belo Horizonte, para investigações, fracassaram redondamente apesar do zun-zum que corria de boca em boca de que o massacre de Toledo havia sido o epílogo de uma terrível vingança. A imprensa paulistana, carioca, belo-horizontina e de outras capitais do país, publicou, na ocasião, ampla reportagem sobre o acontecimento solicitando das autoridades mineiras que se fizesse justiça. Vinte dias após os fatos aqui narrados, na Delegacia de Polícia de Socorro, aparece um senhor de meia-idade, claro, de olhos azuis e nariz achatado, de rosto oval e estatura mediana, dizendo ser testemunha ocular do crime ocorrido dias antes no distrito de São José de Toledo. Diante de tal afirmativa mandou o Sr. Delegado de polícia daquela cidade que se tomasse por termo as suas declarações. Se não nos falha a memória o desconhecido disse mais ou menos o seguinte:  
 
Várias autoridades policiais vindas de Belo Horizonte, para investigações, fracassaram redondamente apesar do zun-zum que corria de boca em boca de que o massacre de Toledo havia sido o epílogo de uma terrível vingança. A imprensa paulistana, carioca, belo-horizontina e de outras capitais do país, publicou, na ocasião, ampla reportagem sobre o acontecimento solicitando das autoridades mineiras que se fizesse justiça. Vinte dias após os fatos aqui narrados, na Delegacia de Polícia de Socorro, aparece um senhor de meia-idade, claro, de olhos azuis e nariz achatado, de rosto oval e estatura mediana, dizendo ser testemunha ocular do crime ocorrido dias antes no distrito de São José de Toledo. Diante de tal afirmativa mandou o Sr. Delegado de polícia daquela cidade que se tomasse por termo as suas declarações. Se não nos falha a memória o desconhecido disse mais ou menos o seguinte:  
 
 
“Que no dia em que se deu o crime que tanto abalou a opinião pública de toda a região sul-mineira o depoente viajava da localidade de São José de Toledo, no estado de Minas, para a cidade de Socorro, no estado de São Paulo; que viajando a pé, depois de percorrer vários quilômetros, cansado e exausto, deitar-se à sombra de uma árvore adormecendo profundamente; que ao acordar já era noite não sabendo por isso qual o caminho a seguir; que andando ao léu sob a luz das estrelas, sem rumo ou destino certo, embrenhou-se no mato indo encontrar num cerrado um rancho de pau a pique; que aproximou-se do rancho chamando por ‘ó de casa, ó de casa’, respondendo um senhor ainda moço que o convidara para entrar e ao qual narrara suas peripécias depois de ter-lhe pedido agasalho por aquela noite. Com a hospitalidade peculiar de nossos caboclos, ao viandante foi dado abrigo e um modesto jantar foi-lhe oferecido sob a fraca luz de um lampião a querosene. Prosseguindo em sua narrativa disse a testemunha que depois do jantar a senhora do hospedeiro lhe improvisara no compartimento que servia de sala, sob uma velha esteira, um modesto leito para que ele pudesse repousar um pouco; que altas horas da noite, depois de ter dormido bastante, acordara com um pequeno barulho percebendo então que um vulto, cautelosamente, erguia os paus que serviam de porta e sorrateiramente penetrava dentro do rancho enquanto as pessoas da casa dormiam tranquilamente; que nessa ocasião, pela claridade do luar, reconhecera na pessoa que acabava de entrar o facínora João Belisário e que nesse momento, aproveitando-se da abertura deixada pelo “visitante”, fugira sem mais demora embrenhando-se no mato conseguindo, três dias depois, alcançar aquela cidade para então dizer a verdade.”
 
“Que no dia em que se deu o crime que tanto abalou a opinião pública de toda a região sul-mineira o depoente viajava da localidade de São José de Toledo, no estado de Minas, para a cidade de Socorro, no estado de São Paulo; que viajando a pé, depois de percorrer vários quilômetros, cansado e exausto, deitar-se à sombra de uma árvore adormecendo profundamente; que ao acordar já era noite não sabendo por isso qual o caminho a seguir; que andando ao léu sob a luz das estrelas, sem rumo ou destino certo, embrenhou-se no mato indo encontrar num cerrado um rancho de pau a pique; que aproximou-se do rancho chamando por ‘ó de casa, ó de casa’, respondendo um senhor ainda moço que o convidara para entrar e ao qual narrara suas peripécias depois de ter-lhe pedido agasalho por aquela noite. Com a hospitalidade peculiar de nossos caboclos, ao viandante foi dado abrigo e um modesto jantar foi-lhe oferecido sob a fraca luz de um lampião a querosene. Prosseguindo em sua narrativa disse a testemunha que depois do jantar a senhora do hospedeiro lhe improvisara no compartimento que servia de sala, sob uma velha esteira, um modesto leito para que ele pudesse repousar um pouco; que altas horas da noite, depois de ter dormido bastante, acordara com um pequeno barulho percebendo então que um vulto, cautelosamente, erguia os paus que serviam de porta e sorrateiramente penetrava dentro do rancho enquanto as pessoas da casa dormiam tranquilamente; que nessa ocasião, pela claridade do luar, reconhecera na pessoa que acabava de entrar o facínora João Belisário e que nesse momento, aproveitando-se da abertura deixada pelo “visitante”, fugira sem mais demora embrenhando-se no mato conseguindo, três dias depois, alcançar aquela cidade para então dizer a verdade.”
 
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Este depoimento foi lido pelo autor desta narrativa quando escrivão de polícia na comarca de Camanducaia. A testemunha em questão foi julgada débil mental — e por isso sem valor as suas declarações. E assim o caso ficou encerrado passando para o rol do esquecimento sem que se descobrissem os responsáveis materiais e intelectuais daquela tremenda tragédia. Alguns anos mais tarde, na cidade de Pouso Alegre, quando se encontrava para morrer, um mulato desses que não recuam diante das maiores atrocidades, chama à beira de seu leito alguns amigos e, calmamente, sem demonstrar remorsos ou arrependimentos, como um cínico que não teme a Deus e à Eternidade, confessa ser ele o autor da carnificina praticada no interior do ranchinho de sapé, no distrito de Toledo, naquele mês de março de 1923. Não sabemos até que ponto essa confissão é verdadeira uma vez que é destituída de quaisquer pormenores, obscura mesmo, sem os esclarecimentos imprescindíveis como os referentes aos motivos que determinaram a eliminação daquela família. Sim, porque não podemos crer que a tragédia que teve como protagonistas pessoas simples, humildes e de uma pobreza quase extrema, fosse originada apenas pela vingança. Tamanha perversidade, a nosso ver, só poderia ser praticada por um anormal em pleno período de desequilíbrio mental.  
Este depoimento foi lido pelo autor desta narrativa quando escrivão de polícia na comarca de Camanducaia. A testemunha em questão foi julgada débil mental — e por isso sem valor as suas declarações. E assim o caso ficou encerrado passando para o rol do esquecimento sem que se descobrissem os responsáveis materiais e intelectuais daquela tremenda tragédia. Alguns anos mais tarde, na cidade de Pouso Alegre, quando se encontrava para morrer, um mulato desses que não recuam diante das maiores atrocidades, chama à beira de seu leito alguns amigos e, calmamente, sem demonstrar remorsos ou arrependimentos, como um cínico que não teme a Deus e à Eternidade, confessa ser ele o autor da carnificina praticada no interior do ranchinho de sapé, no distrito de Toledo, naquele mês de março de 1923. Não sabemos até que ponto essa confissão é verdadeira uma vez que é destituída de quaisquer pormenores, obscura mesmo, sem os esclarecimentos imprescindíveis como os referentes aos motivos que determinaram a eliminação daquela família. Sim, porque não podemos crer que a tragédia que teve como protagonistas pessoas simples, humildes e de uma pobreza quase extrema, fosse originada apenas pela vingança. Tamanha perversidade, a nosso ver, só poderia ser praticada por um anormal em pleno período de desequilíbrio mental.
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== Capítulo VII ==
 
== Capítulo VII ==
  
João Belisário deixa cair a máscara e o mistério que envolve o latrocínio praticado na pessoa de Joaquim Albino e desvendado por seus próprios autores.
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João Belisário deixa cair a máscara e o mistério que envolve o latrocínio praticado na pessoa de Joaquim Albino e desvendado por seus próprios autores
 
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O crime de São José de Toledo, como dissemos no capítulo anterior, foi comentado pela imprensa metropolitana e interiorana com ilustrações as mais variadas e emocionantes. Autoridades especializadas deslocaram-se de Belo Horizonte para o palco dos acontecimentos sem nenhum resultado. Diligências, pesquisas e estudos técnicos fracassaram por completo. Meses após o crime João Belisário deixa o município de Camanducaia transferindo sua residência para o município de Ribeirão Vermelho, no estado de São Paulo, onde, segundo nos parece, agora reside. Naquela cidade, João Belisário encontra-se constantemente com vários caixeiros-viajantes, seus conhecidos, muitos deles de Cambuí. Confiando demasiadamente nesses viajantes e na boa estrela que o guiava desde o seus primeiros contatos com a Justiça, João Belisário resolve, por ignorância ou por cabotinagem, contar a seus amigos e conterrâneos os principais fatos ocorridos em sua vida criminosa, desde o instante em que resolvera, em definitivo, dar cabo de seu pai adotivo naquela longínqua e lúgubre tarde do mês de junho de 1909, incluindo na sua narrativa o assassinato de Joaquim Albino ocorrido há vários anos numa fria e nebulosa noite do mês de abril de 1921.
 
O crime de São José de Toledo, como dissemos no capítulo anterior, foi comentado pela imprensa metropolitana e interiorana com ilustrações as mais variadas e emocionantes. Autoridades especializadas deslocaram-se de Belo Horizonte para o palco dos acontecimentos sem nenhum resultado. Diligências, pesquisas e estudos técnicos fracassaram por completo. Meses após o crime João Belisário deixa o município de Camanducaia transferindo sua residência para o município de Ribeirão Vermelho, no estado de São Paulo, onde, segundo nos parece, agora reside. Naquela cidade, João Belisário encontra-se constantemente com vários caixeiros-viajantes, seus conhecidos, muitos deles de Cambuí. Confiando demasiadamente nesses viajantes e na boa estrela que o guiava desde o seus primeiros contatos com a Justiça, João Belisário resolve, por ignorância ou por cabotinagem, contar a seus amigos e conterrâneos os principais fatos ocorridos em sua vida criminosa, desde o instante em que resolvera, em definitivo, dar cabo de seu pai adotivo naquela longínqua e lúgubre tarde do mês de junho de 1909, incluindo na sua narrativa o assassinato de Joaquim Albino ocorrido há vários anos numa fria e nebulosa noite do mês de abril de 1921.
 
 
Com a palavra do petulante e asqueroso narrador a martelar-lhe os ouvidos os cambuienses voltavam de Ribeirão Vermelho tristes e aborrecidos sem conseguir esquecer as bazófias e as fanfarronices do conterrâneo despudorado. Um dia, porém, esses viajantes resolveram levar tudo ao conhecimento das autoridades mineiras pedindo-lhes providências prontas e enérgicas no sentido de ser posto um paradeiro naquele estado de coisas. Tomando conhecimento da denúncia o delegado de polícia de Cambuí oficia imediatamente ao chefe de polícia de Belo Horizonte expondo-lhe o fato e pedindo-lhe a designação de uma autoridade policial para superintender o inquérito a ser aberto para apurar a veracidade da denúncia chegada àquela delegacia. Sem perda de tempo a Chefatura de Polícia de Minas designa o mesmo tenente Agenor, que já trabalhara no processo, para prosseguir nas investigações policiais. Embarcando no dia seguinte para Cambuí o oficial mineiro chega àquela cidade após a estafante viagem de dois dias e duas noites pelos incômodos e apertadíssimos carros da Oeste de Minas e da Rede Mineira de Viação.
 
Com a palavra do petulante e asqueroso narrador a martelar-lhe os ouvidos os cambuienses voltavam de Ribeirão Vermelho tristes e aborrecidos sem conseguir esquecer as bazófias e as fanfarronices do conterrâneo despudorado. Um dia, porém, esses viajantes resolveram levar tudo ao conhecimento das autoridades mineiras pedindo-lhes providências prontas e enérgicas no sentido de ser posto um paradeiro naquele estado de coisas. Tomando conhecimento da denúncia o delegado de polícia de Cambuí oficia imediatamente ao chefe de polícia de Belo Horizonte expondo-lhe o fato e pedindo-lhe a designação de uma autoridade policial para superintender o inquérito a ser aberto para apurar a veracidade da denúncia chegada àquela delegacia. Sem perda de tempo a Chefatura de Polícia de Minas designa o mesmo tenente Agenor, que já trabalhara no processo, para prosseguir nas investigações policiais. Embarcando no dia seguinte para Cambuí o oficial mineiro chega àquela cidade após a estafante viagem de dois dias e duas noites pelos incômodos e apertadíssimos carros da Oeste de Minas e da Rede Mineira de Viação.
 
 
Por mera coincidência havia chegado a Cambuí, poucos dias antes do tenente, o Sr. Benedicto Inácio, irmão de Belisário e também residente em Ribeirão Vermelho. Sabedor da presença de Benedicto no município o tenente manda convidá-lo para comparecer à Delegacia no dia seguinte às 12 horas. Antes da hora marcada Benedicto já se encontrava na cidade, pronto para depor. Ao meio-dia precisamente o delegado inicia o interrogatório. O interrogado vacila em suas respostas e o oficial o ameaça de trancafiá-lo na prisão usando a borracha e o cinturão. Não foi preciso mais nada para que Benedicto se abrisse pormenorizando todos os fatos: não tinha sido ele o autor da morte de Joaquim Albino; quem o matar friamente a pauladas havia sido seu mano João, naquela noite friorenta e neblinosa do mês de abril.  
 
Por mera coincidência havia chegado a Cambuí, poucos dias antes do tenente, o Sr. Benedicto Inácio, irmão de Belisário e também residente em Ribeirão Vermelho. Sabedor da presença de Benedicto no município o tenente manda convidá-lo para comparecer à Delegacia no dia seguinte às 12 horas. Antes da hora marcada Benedicto já se encontrava na cidade, pronto para depor. Ao meio-dia precisamente o delegado inicia o interrogatório. O interrogado vacila em suas respostas e o oficial o ameaça de trancafiá-lo na prisão usando a borracha e o cinturão. Não foi preciso mais nada para que Benedicto se abrisse pormenorizando todos os fatos: não tinha sido ele o autor da morte de Joaquim Albino; quem o matar friamente a pauladas havia sido seu mano João, naquela noite friorenta e neblinosa do mês de abril.  
 
Havia acompanhado o irmão na “empreitada”, é verdade, mas ignorando suas verdadeiras intenções quando, na capela, havia sido convidado para “pegarem” a vítima. Não percebera nem lhe passara pelo cérebro ser o roubo o móvel do crime. Joaquim Albino tinha em seu poder a importância de quatrocentos mil réis numa carteira surrada, dinheiro esse visto por João Belisário na véspera do crime quando a vítima, num dos botequins do povoado, jogava o tal de vinte e um.
 
Havia acompanhado o irmão na “empreitada”, é verdade, mas ignorando suas verdadeiras intenções quando, na capela, havia sido convidado para “pegarem” a vítima. Não percebera nem lhe passara pelo cérebro ser o roubo o móvel do crime. Joaquim Albino tinha em seu poder a importância de quatrocentos mil réis numa carteira surrada, dinheiro esse visto por João Belisário na véspera do crime quando a vítima, num dos botequins do povoado, jogava o tal de vinte e um.
 
 
Pousando seus olhos sobre os pés de Benedicto o tenente viu que eles correspondiam perfeitamente ao rastro encontrado no lugar da tragédia pelo delegado Teotônio Marques. Só então compreendera o quanto fora injusto ao castigar impiedosamente o inocente Chico da Eugênia. Enquanto o oficial mineiro se comunicava com a polícia paulista pedindo a captura de João Belisário, um cambuiense, de passagem por Bragança, avista-o numa das ruas centrais da cidade. Sem perda de tempo comunica-se com o sr. delegado de polícia de Bragança pondo-o ao conhecimento do que se passava em Cambuí. João Belisário que sempre foi ativo e desconfiado, percebendo na “atmosfera” qualquer coisa de anormal, tratou logo de “pinicar” antes que fosse tarde demais. No Lavapés tomou um carro de praça ordenando ao motorista que o conduzisse até Itatiba. O chofer que já o conhecia de sobra não teve duvidas em rumar para a vizinha cidade com ordem do passageiro para parar nas imediações. A um quilômetro da cidade o automóvel parou e dentro dele, descansando, João Belisário ficou fazendo hora para partir.
 
Pousando seus olhos sobre os pés de Benedicto o tenente viu que eles correspondiam perfeitamente ao rastro encontrado no lugar da tragédia pelo delegado Teotônio Marques. Só então compreendera o quanto fora injusto ao castigar impiedosamente o inocente Chico da Eugênia. Enquanto o oficial mineiro se comunicava com a polícia paulista pedindo a captura de João Belisário, um cambuiense, de passagem por Bragança, avista-o numa das ruas centrais da cidade. Sem perda de tempo comunica-se com o sr. delegado de polícia de Bragança pondo-o ao conhecimento do que se passava em Cambuí. João Belisário que sempre foi ativo e desconfiado, percebendo na “atmosfera” qualquer coisa de anormal, tratou logo de “pinicar” antes que fosse tarde demais. No Lavapés tomou um carro de praça ordenando ao motorista que o conduzisse até Itatiba. O chofer que já o conhecia de sobra não teve duvidas em rumar para a vizinha cidade com ordem do passageiro para parar nas imediações. A um quilômetro da cidade o automóvel parou e dentro dele, descansando, João Belisário ficou fazendo hora para partir.
 
 
Quando a autoridade policial bragantina obteve de São Paulo ordem para prender Belisário, este já se encontrava a vários quilômetros dali viajando num confortável Chevrolet cujo motorista, tremendo de medo, esforçava-se para controlar-se a fim de evitar que seu carro fosse cair na barroca. Mas o Sr. delegado de polícia de Bragança, tomando as providências exigidas em tais casos, solicitara de seus colegas das cidades vizinhas, por telefone, o concurso e a colaboração de todos na captura do fugitivo.
 
Quando a autoridade policial bragantina obteve de São Paulo ordem para prender Belisário, este já se encontrava a vários quilômetros dali viajando num confortável Chevrolet cujo motorista, tremendo de medo, esforçava-se para controlar-se a fim de evitar que seu carro fosse cair na barroca. Mas o Sr. delegado de polícia de Bragança, tomando as providências exigidas em tais casos, solicitara de seus colegas das cidades vizinhas, por telefone, o concurso e a colaboração de todos na captura do fugitivo.
À entrada da cidade de Itatiba, um pouco antes do amanhecer, João Belisário foi preso quando dormia tranquilamente no carro que o conduzira até ali.
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À entrada da cidade de Itatiba, um pouco antes do amanhecer, João Belisário foi preso quando dormia tranquilamente no carro que o conduzira até ali.  
  
 
== Capítulo VIII ==
 
== Capítulo VIII ==
Linha 173: Linha 146:
  
 
Ao ser preso naquela madrugada friorenta num dos subúrbios de Itatiba quando pretendia dar às de Vila Diogo, João Belisário não se perturbou, não se afobou nem teve a menor reação. Entregou-se calmo e sorridente ao receber voz de prisão deixando-se conduzir serenamente pelos soldados que o prenderam como se nada de anormal houvesse acontecido em sua vida. Pelo primeiro trem da Itatibense, já desaparecida, Belisário segue para a capital bandeirante de onde, no dia imediato, prossegue viagem, escoltado, para Belo Horizonte. Da capital mineira o prisioneiro foi encaminhado, dias depois e acompanhado por dois agentes de polícia, para a comarca de Cambuí onde se procedia ao inquérito instaurado para apurar as responsabilidades do crime de latrocínio praticado na pessoa de Joaquim Albino. Em transito para aquela cidade, teatro dos acontecimentos que determinaram a sua detenção, e viajando pela Central do Brasil, João Belisário tenta uma fuga espetacular, arrojada e audaciosa, saltando di trem num lugar descortinado, de várzeas e ervas rasteiras, onde em hipótese alguma encontraria um lugar para se esconder e quando a locomotiva, em sua velocidade máxima, corria entre Juiz de Fora e Santos Dumont. Não teve sorte, e a esta juntou-se o azar, fraturando o braço direito ao saltar do trem em movimento. Apertado o botão de alarme a locomotiva logo parou para que os policiais encarregados de escoltar o criminoso até Cambuí pudessem recapturá-lo novamente, o que foi feito a pouco mais de um quilômetro do lugar onde parara a composição da velha Central.
 
Ao ser preso naquela madrugada friorenta num dos subúrbios de Itatiba quando pretendia dar às de Vila Diogo, João Belisário não se perturbou, não se afobou nem teve a menor reação. Entregou-se calmo e sorridente ao receber voz de prisão deixando-se conduzir serenamente pelos soldados que o prenderam como se nada de anormal houvesse acontecido em sua vida. Pelo primeiro trem da Itatibense, já desaparecida, Belisário segue para a capital bandeirante de onde, no dia imediato, prossegue viagem, escoltado, para Belo Horizonte. Da capital mineira o prisioneiro foi encaminhado, dias depois e acompanhado por dois agentes de polícia, para a comarca de Cambuí onde se procedia ao inquérito instaurado para apurar as responsabilidades do crime de latrocínio praticado na pessoa de Joaquim Albino. Em transito para aquela cidade, teatro dos acontecimentos que determinaram a sua detenção, e viajando pela Central do Brasil, João Belisário tenta uma fuga espetacular, arrojada e audaciosa, saltando di trem num lugar descortinado, de várzeas e ervas rasteiras, onde em hipótese alguma encontraria um lugar para se esconder e quando a locomotiva, em sua velocidade máxima, corria entre Juiz de Fora e Santos Dumont. Não teve sorte, e a esta juntou-se o azar, fraturando o braço direito ao saltar do trem em movimento. Apertado o botão de alarme a locomotiva logo parou para que os policiais encarregados de escoltar o criminoso até Cambuí pudessem recapturá-lo novamente, o que foi feito a pouco mais de um quilômetro do lugar onde parara a composição da velha Central.
 
 
Preso e transportado para um carro de segunda classe João Belisário foi algemado com um dos policiais que o escoltavam, viajando assim até Cruzeiro pela Central do Brasil e dessa cidade até a estação de Pouso Alegre, pela Rede Mineira de Viação, onde desembarcou sob os olhares curiosos de mais de quinhentas pessoas que àquela hora se comprimiam na gare exclusivamente para esperá-lo. De Pouso Alegre a Cambuí a viagem foi rápida — e nesta cidade como naquela uma verdadeira multidão aguardava ansiosa a chegada do criminoso. Interrogado sobre a autoria do crime que lhe era imputado João Belisário negou terminantemente ter tido qualquer participação na morte de Joaquim Albino, declarando serem falsos os depoimentos das testemunhas e a declaração prestada por seu mano Benedicto.
 
Preso e transportado para um carro de segunda classe João Belisário foi algemado com um dos policiais que o escoltavam, viajando assim até Cruzeiro pela Central do Brasil e dessa cidade até a estação de Pouso Alegre, pela Rede Mineira de Viação, onde desembarcou sob os olhares curiosos de mais de quinhentas pessoas que àquela hora se comprimiam na gare exclusivamente para esperá-lo. De Pouso Alegre a Cambuí a viagem foi rápida — e nesta cidade como naquela uma verdadeira multidão aguardava ansiosa a chegada do criminoso. Interrogado sobre a autoria do crime que lhe era imputado João Belisário negou terminantemente ter tido qualquer participação na morte de Joaquim Albino, declarando serem falsos os depoimentos das testemunhas e a declaração prestada por seu mano Benedicto.
 
 
Convicto de que Belisário estava faltando com a verdade procurando inocentar-se, o tenente Agenor, como todos os seus colegas que desempenhavam iguais funções naquela época, não tiveram dúvidas pondo em prática o seu método inquisitorial, bárbaro e desumano, castigando impiedosamente o preso humilhado a seus pés. E assim aquele homem, respeitado e temido por todos, não era mais que um joguete nas mãos disformes daquele oficial sem alma nem coração. Submetido às mais duras provações, João Belisário era torturado sem nenhum respeito aos sentimentos de humanidade, até que se desfalecia caindo ao chão sem sentidos, sem movimentos, aparentemente morto. Borracha, saltos de sapatos e os cinturões faziam com que sua boca, seu nariz e seus ouvidos sangrassem constantemente tantas eram as pancadas recebidas. Mesmo assim, em quase estado de coma, João Belisário nada dizia — e quando respondia às perguntas do tenente era para negar que tivesse tomado parte no crime pelo qual estava sendo apontado como o principal responsável. Morreria, se preciso fosse, mas não diria uma palavra sequer sobre sua culpabilidade no crime, houvesse o que houvesse, provando assim possuir uma opinião raramente encontrada entre os que, desviando do bom caminho, se enveredam pela estrada escorregadia e perigosíssima da criminalidade.
 
Convicto de que Belisário estava faltando com a verdade procurando inocentar-se, o tenente Agenor, como todos os seus colegas que desempenhavam iguais funções naquela época, não tiveram dúvidas pondo em prática o seu método inquisitorial, bárbaro e desumano, castigando impiedosamente o preso humilhado a seus pés. E assim aquele homem, respeitado e temido por todos, não era mais que um joguete nas mãos disformes daquele oficial sem alma nem coração. Submetido às mais duras provações, João Belisário era torturado sem nenhum respeito aos sentimentos de humanidade, até que se desfalecia caindo ao chão sem sentidos, sem movimentos, aparentemente morto. Borracha, saltos de sapatos e os cinturões faziam com que sua boca, seu nariz e seus ouvidos sangrassem constantemente tantas eram as pancadas recebidas. Mesmo assim, em quase estado de coma, João Belisário nada dizia — e quando respondia às perguntas do tenente era para negar que tivesse tomado parte no crime pelo qual estava sendo apontado como o principal responsável. Morreria, se preciso fosse, mas não diria uma palavra sequer sobre sua culpabilidade no crime, houvesse o que houvesse, provando assim possuir uma opinião raramente encontrada entre os que, desviando do bom caminho, se enveredam pela estrada escorregadia e perigosíssima da criminalidade.
 
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Tudo poderia acontecer na vida de João Belisário, mas confessar às autoridades a autoria de seus crimes... nunca. E o tenente Agenor, para não matar Belisário, encerra o inquérito remetendo-o ao Dr. Juiz de Direito da comarca que o encaminha à Promotoria Pública para a respectiva denúncia. Pelo Ministério Público de Cambuí, poucos dias após o recebimento do processo, foi então oferecida denúncia contra João Batista Marques e Benedicto Inácio como autores de latrocínio praticado na pessoa do lavrador Joaquim Albino, subindo os autos ao Meritíssimo Juiz de Direito da comarca, Dr. Tito Lívio Ribeiro, que, apreciando as provas colhidas através dos depoimentos de várias testemunhas arguidas no processo, lavrou sua sentença condenando João Batista Marques a penas de 30 anos de prisão, para ser cumprida na Penitenciária Agrícola de Neves, e Benedicto Inácio à pena de 17 anos para ser cumprida na mesma Penitenciária.  
Tudo poderia acontecer na vida de João Belisário, mas confessar às autoridades a autoria de seus crimes... nunca. E o tenente Agenor, para não matar Belisário, encerra o inquérito remetendo-o ao Dr. Juiz de Direito da comarca que o encaminha à Promotoria Pública para a respectiva denúncia. Pelo Ministério Público de Cambuí, poucos dias após o recebimento do processo, foi então oferecida denúncia contra João Batista Marques e Benedicto Inácio como autores de latrocínio praticado na pessoa do lavrador Joaquim Albino, subindo os autos ao Meritíssimo Juiz de Direito da comarca, Dr. Tito Lívio Ribeiro, que, apreciando as provas colhidas através dos depoimentos de várias testemunhas arguidas no processo, lavrou sua sentença condenando João Batista Marques a penas de 30 anos de prisão, para ser cumprida na Penitenciária Agrícola de Neves, e Benedicto Inácio à pena de 17 anos para ser cumprida na mesma Penitenciária.
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== Capítulo IX ==
 
== Capítulo IX ==
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Fugindo da Cadeia Pública de Cambuí e homiziando-se no bairro dos “Passa Tufos”, no município de Camanducaia, João Belisário cai numa cilada preparada por seus próprios parentes sendo então novamente recapturado e remetido diretamente para a Penitenciária Agrícola das Neves de onde consegue, um ano mais tarde, ser transferido para Santa Rita do Sapucaí de cuja cadeia foge espetacularmente
 
Fugindo da Cadeia Pública de Cambuí e homiziando-se no bairro dos “Passa Tufos”, no município de Camanducaia, João Belisário cai numa cilada preparada por seus próprios parentes sendo então novamente recapturado e remetido diretamente para a Penitenciária Agrícola das Neves de onde consegue, um ano mais tarde, ser transferido para Santa Rita do Sapucaí de cuja cadeia foge espetacularmente
 
Passando em julgado a sentença condenatória proferida pelo juiz Tito Ribeiro, João Belisário e Benedicto Inácio aguardam o dia da partida para Neves onde seriam hóspedes forçados do dr. José Maria do Alkmim, então na direção daquela Penitenciária. Cumprindo ordens superiores em prol da revolução que secretamente se tramava nos estados de Minas, Rio Grande do Sul e Paraíba, o Comando Geral da Força Policial Mineira determina, por telegrama expresso, que as praças dos destacamentos do sul sejam recolhidas sem perda de tempo aos seus respectivos quartéis, ficando assim quase todas as cidades sul-mineiras completamente desguarnecidas, proporcionando aos detentos oportunidades para fugirem. E Belisário não perde a chance arrombando a cadeia de Cambuí e fugindo em companhia de outros presos que ainda não haviam sido julgados.
 
Passando em julgado a sentença condenatória proferida pelo juiz Tito Ribeiro, João Belisário e Benedicto Inácio aguardam o dia da partida para Neves onde seriam hóspedes forçados do dr. José Maria do Alkmim, então na direção daquela Penitenciária. Cumprindo ordens superiores em prol da revolução que secretamente se tramava nos estados de Minas, Rio Grande do Sul e Paraíba, o Comando Geral da Força Policial Mineira determina, por telegrama expresso, que as praças dos destacamentos do sul sejam recolhidas sem perda de tempo aos seus respectivos quartéis, ficando assim quase todas as cidades sul-mineiras completamente desguarnecidas, proporcionando aos detentos oportunidades para fugirem. E Belisário não perde a chance arrombando a cadeia de Cambuí e fugindo em companhia de outros presos que ainda não haviam sido julgados.
 
 
No bairro dos “Passa Tufos”, João Belisário vai se esconder. Vivia ele sossegadamente ali, protegido pelos primos, sem nem de leve pensar que, em Cambuí, uma cilada lhe preparavam. Os cambuienses interessados na sua captura, sabedores de que a fidelidade, a lealdade e a sinceridade eram desconhecidas de seus parentes, fazem espalhar aos quatro ventos a notícia de que gratificariam com determinada importância a quem entregasse o fugitivo, vivo ou morto, às autoridades mineiras. Como acontece em ocasiões como essa, a notícia se espalhou e não tardou a chegar aos ouvidos dos primos de Belisário, que a receberam com indisfarçável alegria. Quatro ou cinco dias depois que a espalhafatosa notícia tornara-se conhecida nos arredores, graças aos arautos perspicazes e argutos, um dos parentes do fugitivo aparece em Cambuí como se estivesse a passeio. Mas a um ladino político daquela cidade não passou despercebida a razão da presença do “visitante” à cidade, esperando, por isso, ser procurado por ele para uma conversa em família. Dito e feito: não tardou muito para que o sabido político cambuiense recebesse, em sua casa, a visita do “leal” e “despretensioso” parente de Belisário que vinha saber se a notícia referente à gratificação oferecida pela captura do primo era, realmente, coisa séria. Tendo como resposta um “sim” pronunciado alegremente, o visitante entra logo no assunto propondo capturar o parente mediante o pagamento de três contos e quinhentos mil réis, importância que achava razoável pelo “serviço” que “abnegadamente” iria prestar à população sul-mineira. O coronel, escondendo por trás do bigode um risinho todo seu, aperta a mão do visitante pronunciando um alegre “está feito o negócio”. O primo de nada suspeitará, diz o parente da “vítima”, pois quando à noite aparecer para buscar comestíveis, eu e meus irmãos o agarraremos e o conduziremos para Camanducaia trancafiando-o no xilindró. Pode fazer o “serviço” e vir depois buscar o dinheiro, responde-lhe satisfeito o coronel.
 
No bairro dos “Passa Tufos”, João Belisário vai se esconder. Vivia ele sossegadamente ali, protegido pelos primos, sem nem de leve pensar que, em Cambuí, uma cilada lhe preparavam. Os cambuienses interessados na sua captura, sabedores de que a fidelidade, a lealdade e a sinceridade eram desconhecidas de seus parentes, fazem espalhar aos quatro ventos a notícia de que gratificariam com determinada importância a quem entregasse o fugitivo, vivo ou morto, às autoridades mineiras. Como acontece em ocasiões como essa, a notícia se espalhou e não tardou a chegar aos ouvidos dos primos de Belisário, que a receberam com indisfarçável alegria. Quatro ou cinco dias depois que a espalhafatosa notícia tornara-se conhecida nos arredores, graças aos arautos perspicazes e argutos, um dos parentes do fugitivo aparece em Cambuí como se estivesse a passeio. Mas a um ladino político daquela cidade não passou despercebida a razão da presença do “visitante” à cidade, esperando, por isso, ser procurado por ele para uma conversa em família. Dito e feito: não tardou muito para que o sabido político cambuiense recebesse, em sua casa, a visita do “leal” e “despretensioso” parente de Belisário que vinha saber se a notícia referente à gratificação oferecida pela captura do primo era, realmente, coisa séria. Tendo como resposta um “sim” pronunciado alegremente, o visitante entra logo no assunto propondo capturar o parente mediante o pagamento de três contos e quinhentos mil réis, importância que achava razoável pelo “serviço” que “abnegadamente” iria prestar à população sul-mineira. O coronel, escondendo por trás do bigode um risinho todo seu, aperta a mão do visitante pronunciando um alegre “está feito o negócio”. O primo de nada suspeitará, diz o parente da “vítima”, pois quando à noite aparecer para buscar comestíveis, eu e meus irmãos o agarraremos e o conduziremos para Camanducaia trancafiando-o no xilindró. Pode fazer o “serviço” e vir depois buscar o dinheiro, responde-lhe satisfeito o coronel.
 
 
Dois dias depois João Belisário foi “embirado” e conduzido para a Cadeia Pública de Camanducaia que, como as demais cidades do sul do estado, estava despoliciada em virtude do movimento revolucionário desencadeado pelos lideres Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, Getúlio Dorneles Vargas e o imortal João Pessoa, idealizadores e executores da Revolução de 3 de Outubro de 1930. No Túnel, em Itararé e em Eleutério os soldados, dia e noite, combatiam sem parar. Em Pouso Alegre se localizava o Estado-Maior do setor de Eleutério sob o comando do general Porto Alegre. Na cidade permanecia uma bateria do 8o RAM ali aquartelado e uma companhia do 14o BC de voluntários da cidade de Bagé, no Rio Grande do Sul. Para Pouso Alegre, portanto, seguiria João Belisário para, de lá, ser escoltado até Neves. No dia de conduzir o preso para aquela cidade, o Sr. João Guilherme de Macedo, delegado de polícia de Camanducaia, receoso de uma fuga, pretende conduzir o prisioneiro amarrado de pés e mãos com o que o preso não concorda dizendo ser esse um gesto antipático do Sr. delegado de polícia. Foi então chamado o dr. Francinet Barroso Salgado, Promotor Público da comarca que, ouvido, achou que Belisário tinha razão. O Sr. delegado de polícia, não querendo ser o responsável pela condução do criminoso, resolve não escoltá-lo como desejava o representante do Ministério Público de Camanducaia que, em defesa de seu ponto de vista, argumentava que escoltar o preso amarrado depunha contra a escolta que ele sabia ser composta de homens valentes e corajosos. Por isso ele chefiaria a escolta até Pouso Alegre. E assim foi feito: guardado por quatro bate-paus, em cima de um caminhão, João Marques foi dar com os costados na Cadeia Pública daquela cidade seguindo dali diretamente para a Penitenciária das Neves de onde não fugiria jamais.
 
Dois dias depois João Belisário foi “embirado” e conduzido para a Cadeia Pública de Camanducaia que, como as demais cidades do sul do estado, estava despoliciada em virtude do movimento revolucionário desencadeado pelos lideres Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, Getúlio Dorneles Vargas e o imortal João Pessoa, idealizadores e executores da Revolução de 3 de Outubro de 1930. No Túnel, em Itararé e em Eleutério os soldados, dia e noite, combatiam sem parar. Em Pouso Alegre se localizava o Estado-Maior do setor de Eleutério sob o comando do general Porto Alegre. Na cidade permanecia uma bateria do 8o RAM ali aquartelado e uma companhia do 14o BC de voluntários da cidade de Bagé, no Rio Grande do Sul. Para Pouso Alegre, portanto, seguiria João Belisário para, de lá, ser escoltado até Neves. No dia de conduzir o preso para aquela cidade, o Sr. João Guilherme de Macedo, delegado de polícia de Camanducaia, receoso de uma fuga, pretende conduzir o prisioneiro amarrado de pés e mãos com o que o preso não concorda dizendo ser esse um gesto antipático do Sr. delegado de polícia. Foi então chamado o dr. Francinet Barroso Salgado, Promotor Público da comarca que, ouvido, achou que Belisário tinha razão. O Sr. delegado de polícia, não querendo ser o responsável pela condução do criminoso, resolve não escoltá-lo como desejava o representante do Ministério Público de Camanducaia que, em defesa de seu ponto de vista, argumentava que escoltar o preso amarrado depunha contra a escolta que ele sabia ser composta de homens valentes e corajosos. Por isso ele chefiaria a escolta até Pouso Alegre. E assim foi feito: guardado por quatro bate-paus, em cima de um caminhão, João Marques foi dar com os costados na Cadeia Pública daquela cidade seguindo dali diretamente para a Penitenciária das Neves de onde não fugiria jamais.
 
 
E os meses correm lentamente enquanto João Belisário estuda um meio de solucionar o seu caso. Fugir era quase impossível, pois nunca imaginara existir no mundo uma prisão tão segura quanto aquela. Já estava se conformando com a situação quando um dia aparece por lá o cônego Macário de Almeida, seu conhecido, senador (1) estadual pelo PRM, então no domínio do governo estadual. Ao encontrar-se com o sacerdote o cérebro de Belisário se ilumina e uma nova aurora parece ressurgir em sua vida. Macio no falar e diplomata no conversar, não foi difícil ao prisioneiro convencer o cônego parlamentar de que precisava ser transferido para uma cidade do sul do estado a fim de poder estar em contato com seus amigos e parentes. Sensibilizado ante a “choradeira” do prisioneiro Sua Revma. promete arranjar a sua transferência para Santa Rita do Sapucaí, distante apenas cinquenta e poucos quilômetros da cidade de Cambuí, teatro de seus dramas de sangue. Quando Belisário pleiteou a sua transferência para uma cidade do interior já havia concebido a ideia de fuga, na impossibilidade de evadir-se daquela Penitenciária.
 
E os meses correm lentamente enquanto João Belisário estuda um meio de solucionar o seu caso. Fugir era quase impossível, pois nunca imaginara existir no mundo uma prisão tão segura quanto aquela. Já estava se conformando com a situação quando um dia aparece por lá o cônego Macário de Almeida, seu conhecido, senador (1) estadual pelo PRM, então no domínio do governo estadual. Ao encontrar-se com o sacerdote o cérebro de Belisário se ilumina e uma nova aurora parece ressurgir em sua vida. Macio no falar e diplomata no conversar, não foi difícil ao prisioneiro convencer o cônego parlamentar de que precisava ser transferido para uma cidade do sul do estado a fim de poder estar em contato com seus amigos e parentes. Sensibilizado ante a “choradeira” do prisioneiro Sua Revma. promete arranjar a sua transferência para Santa Rita do Sapucaí, distante apenas cinquenta e poucos quilômetros da cidade de Cambuí, teatro de seus dramas de sangue. Quando Belisário pleiteou a sua transferência para uma cidade do interior já havia concebido a ideia de fuga, na impossibilidade de evadir-se daquela Penitenciária.
 
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Transferido para a terra de Delfim Moreira não demorou para executar o plano que havia arquitetado meses antes, arrombando uma das grades da prisão e fugindo sem ser pressentido pela sentinela que, naquele momento, com certeza, dormia tranquilamente.  
Transferido para a terra de Delfim Moreira não demorou para executar o plano que havia arquitetado meses antes, arrombando uma das grades da prisão e fugindo sem ser pressentido pela sentinela que, naquele momento, com certeza, dormia tranquilamente.
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== Capítulo X ==
 
== Capítulo X ==
  
Alarme no sul de Minas e a prisão do fugitivo o município de Bragança Paulista pelo tenente Olintho Ferreira Lima, da Força Pública de São Paulo. Belisário novamente na Penitenciária Agrícola das Neves e o tratamento que dispensava às mulheres.
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Alarme no sul de Minas e a prisão do fugitivo o município de Bragança Paulista pelo tenente Olintho Ferreira Lima, da Força Pública de São Paulo. Belisário novamente na Penitenciária Agrícola das Neves e o tratamento que dispensava às mulheres
 
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A fuga de João Belisário da Cadeia Pública de Santa Rita do Sapucaí alarmou o extremo sul de Minas pelo medo que o criminoso infligia à sua população. Fugindo da cadeia de Santa Rita João Belisário dirigiu-se para Cambuí percorrendo os bairros do Portão, Água Comprida, Vazes e Roseta, confabulando com pessoas de sua relação de amizade. Depois de alguns dias de permanência em Cambuí seguiu para Camanducaia onde se ocultou por mais de uma semana. De Camanducaia passou para o município da Extrema entrando logo em contato com diversos moradores do distrito de Vargem, no estado de São Paulo. Uma noite, quando, a cavalo procurava atravessar uma ponte sobre o rio Jaguari, a dois quilômetros mais ou menos da sede do referido distrito, João Belisário foi surpreendido e subitamente preso pelo tenente Olintho Ferreira Lima, da Força Pública de São Paulo, chefiando na ocasião a Captura Estadual. Para o bom êxito de sua missão contou o inteligente o culto oficial com a colaboração de um dos moradores de Vargem e a quem Belisário confiava todos os seus planos. Com essa eficientíssima colaboração preparou o tenente o seu mundéu no qual Belisário foi cair como um patinho. Deste modo volta o nosso homem às cadeias de Bragança Paulista, São Paulo, e, mais uma vez, à inexpugnável Penitenciária Agrícola de Neves. Trabalhando e estudando João Belisário permaneceu lá entre 1948 quando obteve livramento condicional por seu comportamento exemplar.
 
A fuga de João Belisário da Cadeia Pública de Santa Rita do Sapucaí alarmou o extremo sul de Minas pelo medo que o criminoso infligia à sua população. Fugindo da cadeia de Santa Rita João Belisário dirigiu-se para Cambuí percorrendo os bairros do Portão, Água Comprida, Vazes e Roseta, confabulando com pessoas de sua relação de amizade. Depois de alguns dias de permanência em Cambuí seguiu para Camanducaia onde se ocultou por mais de uma semana. De Camanducaia passou para o município da Extrema entrando logo em contato com diversos moradores do distrito de Vargem, no estado de São Paulo. Uma noite, quando, a cavalo procurava atravessar uma ponte sobre o rio Jaguari, a dois quilômetros mais ou menos da sede do referido distrito, João Belisário foi surpreendido e subitamente preso pelo tenente Olintho Ferreira Lima, da Força Pública de São Paulo, chefiando na ocasião a Captura Estadual. Para o bom êxito de sua missão contou o inteligente o culto oficial com a colaboração de um dos moradores de Vargem e a quem Belisário confiava todos os seus planos. Com essa eficientíssima colaboração preparou o tenente o seu mundéu no qual Belisário foi cair como um patinho. Deste modo volta o nosso homem às cadeias de Bragança Paulista, São Paulo, e, mais uma vez, à inexpugnável Penitenciária Agrícola de Neves. Trabalhando e estudando João Belisário permaneceu lá entre 1948 quando obteve livramento condicional por seu comportamento exemplar.
 
 
Benedicto Inácio, o outro sentenciado, irmão de Belisário, na opinião do autor desta narrativa, não merecia a penalidade que lhe impusera o juiz julgador condenando-o a 17 anos de reclusão quando a sua participação no crime independeu de sua vontade diante da impossibilidade de recusar a ordem recebida do irmão na noite da tragédia. João e Benedicto, analfabetos, deixaram a Penitenciária de Neves lendo e escrevendo corretamente, tendo o último obtido livramento condicional em 1941 quando foi posto em liberdade. Em Cambuí Benedicto passou a residir, ali falecendo em 1948 cercado pelos parentes que ainda o queriam e o admiravam.
 
Benedicto Inácio, o outro sentenciado, irmão de Belisário, na opinião do autor desta narrativa, não merecia a penalidade que lhe impusera o juiz julgador condenando-o a 17 anos de reclusão quando a sua participação no crime independeu de sua vontade diante da impossibilidade de recusar a ordem recebida do irmão na noite da tragédia. João e Benedicto, analfabetos, deixaram a Penitenciária de Neves lendo e escrevendo corretamente, tendo o último obtido livramento condicional em 1941 quando foi posto em liberdade. Em Cambuí Benedicto passou a residir, ali falecendo em 1948 cercado pelos parentes que ainda o queriam e o admiravam.
 
 
João Belisário, segundo afirmam pessoas que o conheceram ainda criança, era homem trabalhador antes de cometer seu primeiro crime. Depois, sem que saibamos por que, quase nada fazia, vivendo de barganhas de animais ou de outros afazeres mais ou menos equivalentes. Uma coisa, porém, não podemos deixar de registrar nestas “Anotações”: o tratamento que Belisário dispensava às mulheres. Em toda a sua vida de criminalidade jamais faltou com o devido respeito a uma senhora, fosse ela casada, solteira, viúva, ou mesmo uma perereca.
 
João Belisário, segundo afirmam pessoas que o conheceram ainda criança, era homem trabalhador antes de cometer seu primeiro crime. Depois, sem que saibamos por que, quase nada fazia, vivendo de barganhas de animais ou de outros afazeres mais ou menos equivalentes. Uma coisa, porém, não podemos deixar de registrar nestas “Anotações”: o tratamento que Belisário dispensava às mulheres. Em toda a sua vida de criminalidade jamais faltou com o devido respeito a uma senhora, fosse ela casada, solteira, viúva, ou mesmo uma perereca.
 
 
Ao escrevermos esta narrativa, procuramos mais que nos foi possível contar os fatos como os conhecemos pessoalmente, evitando referências aos motivos que determinaram tais acontecimentos para não ferir susceptibilidades e não envolver nos enredos emaranhados de certos casos, nomes de pessoas que muito prezamos e admiramos. Incompleta, portanto, é esta nossa primeira narrativa sobre os principais acontecimentos nos quais esteve envolvido João Batista Marques, o famigerado cambuiense ainda perambulando pelas estradas de vários municípios mineiros, paulistas e paranaenses como um fantasma a perturbar a vida de muita gente que ainda o julga um homem mau e perverso.
 
Ao escrevermos esta narrativa, procuramos mais que nos foi possível contar os fatos como os conhecemos pessoalmente, evitando referências aos motivos que determinaram tais acontecimentos para não ferir susceptibilidades e não envolver nos enredos emaranhados de certos casos, nomes de pessoas que muito prezamos e admiramos. Incompleta, portanto, é esta nossa primeira narrativa sobre os principais acontecimentos nos quais esteve envolvido João Batista Marques, o famigerado cambuiense ainda perambulando pelas estradas de vários municípios mineiros, paulistas e paranaenses como um fantasma a perturbar a vida de muita gente que ainda o julga um homem mau e perverso.
 
 
Não sendo um criminoso como Antônio Silvino, Dioguinho ou Lampião, Belisário só nos incomodará se a nossa morte interessar a alguém que disponha de dinheiro e coragem para mandar nos matar. Ao contrário disso, João Belisário é bom, inofensivo e até capaz de praticar o bem em consonância com a sua voz meiga, macia, atraente, delicada e cativante.
 
Não sendo um criminoso como Antônio Silvino, Dioguinho ou Lampião, Belisário só nos incomodará se a nossa morte interessar a alguém que disponha de dinheiro e coragem para mandar nos matar. Ao contrário disso, João Belisário é bom, inofensivo e até capaz de praticar o bem em consonância com a sua voz meiga, macia, atraente, delicada e cativante.
 
== Referências: ==
 
 
[[ACLAC, patrono José dos Reis]]
 
 
[[Desafortunados]]
 

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