Colégio Estadual Antônio Felipe de Salles, CEAFS, 50 anos

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Neste ano de 2010, o Colégio Estadual Antônio Felipe de Salles está completando 50 anos de existência. Durante esse tempo formou gerações de pessoas que se tornaram mais tarde expoentes na vida cultural, artística, científica e intelectual do Brasil. Espalhou seus alunos pelos quatro cantos do mundo: pesquisando na França, meditando no Tibet, expondo na Itália, construindo na Finlândia, mandando notícias da Antártida. Teve e tem ex-alunos em grandes postos de multinacionais, diretores de órgãos públicos federais e estaduais, professores, pesquisadores e cientistas em grandes universidades, cirurgiões de renomados hospitais, artistas e músicos, juristas e religiosos, jornalistas e arquitetos, políticos, empresários, engenheiros.

Num tempo em que existiam somente instituições particulares de ensino, nas mãos de religiosos, padres e freiras, o Colégio de Cambuí foi o pioneiro na região a oferecer ensino público e gratuito, atraindo alunos das cidades vizinhas, primeiramente do Córrego do Bom Jesus, seguido por Camanducaia e Estiva e até mesmo da rica e tradicional São Gonçalo do Sapucaí.

Se antes somente alguns podiam ter acesso ao ensino secundário, por desconhecimento de sua existência ou por caro e de difícil acesso (lembremos que nunca houve estradas de ferro servindo o extremo sul de Minas e os caminhos de terra eram precários), a criação do Colégio abriu horizontes nunca antes vislumbrados por famílias de meninos e meninas da cidade e principalmente de seus bairros, que só podiam cursar até a terceira série primária, às vezes em classes multisseriadas, com grande sacrifício dos professores rurais.

Mas a criação desse colégio não caiu do céu, não veio assim como uma dádiva divina. Custou muito suor aos pais dos primeiros alunos. Foram anos de luta.

Eu me lembro de meu pai fazendo esforços em todos os sentidos. Por um lado junto às autoridades “lá de cima”, como ele chamava o pessoal de Belo Horizonte - Secretarias de Estado, do Governo Estadual, da Assembléia Legislativa -, capital de Minas e tão longe daqui. Eu achava engraçada essa expressão. “Lá de cima” veio a notícia tal, “lá de cima” veio a determinação..., o Minas Gerais (jornal oficial do governo do Estado) publicou..., fomos conversar com o deputado fulano, com o procurador sicrano, com o desembargador beltrano. O governador prometeu fazer isso e aquilo...

E a dificuldade de acesso a Belo Horizonte era quase total: não havia estrada boa, telefone de qualquer tipo, o correio era precário (ainda não era a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), uma peleja. Nos meus parcos nove anos de idade não entendia bem, mas imaginava que devia ser coisa boa que estavam a conseguir.

Em outra frente, local, corria a campanha para angariar fundos para a construção do edifício e a conscientização da necessidade de um estabelecimento de ensino em Cambuí. Dessa época me lembro de meu pai, diariamente, sempre de terno, como era costume se vestir, visitar pais de crianças em idade escolar, ou já nem tanto, conversar sobre a importância do estudo e do saber na vida das pessoas. Todo dia, já em casa, ele comentava como tinha sido o acolhimento nesta ou naquela casa. Uma das reações comentadas, mas o santo não revelado, foi a de um pai com filhos homens já estudando em colégio interno, que argumentou que agora só tinha filhas mulheres em casa e que “mulher não precisa estudar”. Estávamos na segunda metade do século XX. Cambuí mudou, mudamos nós ou nós mudamos Cambuí? Relativamente isolada pela falta de estradas de ferro, melhor meio de transporte da época (pré-Juscelino e tudo o que isso significou em termos de rodovias), Cambuí de então se ligava a Pouso Alegre, Bragança e São Paulo peça pioneira Auto Viação Cambuí, e ao mundo pelo rádio e telégrafo. A mentalidade de alguns tinha razão de estar no século XIX.

Com muita argumentação, Dr Pedro conseguia a colaboração desses pais e cada um sabia do sacrifício que fazia, mas também acreditava nos frutos que seus filhos colheriam. Com certeza não foram frustrados. E todos juntaram forças para erguer as primeiras quatro salas do Colégio, vindo a mais significativa colaboração de parte do Sr. Candoca, que doou o terreno de dez mil metros quadrados para a construção.

Mas ainda havia muito por fazer. A partir daí, ou concomitantemente, seguia a luta para conseguir o projeto arquitetônico, o mobiliário, os equipamentos didáticos. Também me lembro das idas de meu pai, e seus companheiros de empreitada e sonho, a São Paulo para pesquisar (e comprar) as melhores carteiras escolares e voltar entusiasmado com as que viram no colégio Dante Alighieri: modernas, anatômicas, individuais, com regulagem para três alturas diferentes, adaptáveis a alunos mais altos ou mais baixos, estruturas de ferro reforçadas, assento e encosto em madeira de lei e acabamento impecável. Tudo teria que ser do bom e do melhor. (Não entendia muito bem o que vinha a ser madeira de lei. Como meu pai trabalhava com lei – era promotor de justiça – isso me confundia um pouco).

O mesmo entusiasmo se deu com o projeto arquitetônico, encomendado a um engenheiro. Arquiteto era raridade desconhecida por muitos. Acho que foi aí que comecei a pensar que arquitetura era muito importante. Meu pai descrevia com didática como seria a orientação das salas em relação ao sol, de maneira que iluminasse fartamente o ambiente, sem incidência direta, permitida somente no começo do dia para que aquecesse um pouco nossas manhãs de geada.

Falava com elogios da localização estratégica da diretoria, que de suas panorâmicas janelas envidraçadas dava visão para as salas de aula e para o pátio do recreio, então um imenso descampado de terra batida; do corredor de distribuição das salas de aula (que durante a construção teve a largura reduzida, por razões de economia, com a qual ele não concordou por achar que era motivo menor para algo que deveria ficar por muitos anos e que os alunos mereciam sempre o melhor); dos sanitários masculino e feminino, cada um em uma ponta do pavilhão; das belas rampas da entrada dos funcionários e dos alunos.

Nas salas de aula, as janelas rasgadas de fora a fora, garantindo iluminação homogênea e sempre pela esquerda dos estudantes, visto que a maioria é destra, e que não faria sombra ao escrever; os brises soleils acima das vidraças, elemento da arquitetura moderna, que propiciavam a troca de ar do ambiente, garantindo o conforto térmico e a salubridade; o estrado, um pouco mais alto que a sala para que os alunos tivessem melhor visão do professor, sob o quadro negro, então verde, uma novidade a evitar o cansaço da vista; o piso de tacos de madeira, que dava maior conforto térmico e acústico.

Na entrada nobre do edifício um amplo saguão distribuindo para a secretaria, sala dos professores e salas de aula. As platibandas da cobertura escondiam o telhado e conferiam um ar modernista e limpo ao edifício.

O afastamento da via pública, com jardim ainda de vegetação baixa, providenciava distância necessária dos transeuntes, para que suas conversas não distraíssem a atenção dos alunos em sala de aula. Equipamentos de laboratório em sala apropriada, com pia de bancada e piso frio, para facilitar a limpeza. Porta de entrada das salas de aula do lado oposto ao quadro negro/verde: quem entrasse depois, não atrapalhava a aula. Mas também não podia entrar atrasado e, pasmem os jovens de hoje!, os alunos se levantavam da carteira quando o professor chegava, algo assim como um sinal de educação que ainda não caiu de uso em alguns outros ambientes, como na casa da gente quando recebemos visitas.

Essas foram minhas primeiras aulas de arquitetura, dadas por meu pai, advogado de formação e professor de geografia por paixão. Acompanhar a gênese do Colégio nos fez encantar com tudo que a ele se referisse e sentir ao mesmo tempo donos e propriedade dele. Agora, 50 anos depois, que a rememoração de sua história nos leve inevitavelmente a fazer um balanço de suas e nossas realizações, jogue luzes e quebre a dormência de novos projetos, que com certeza conseguiremos tornar viáveis.

Se em 1960 a prioridade era dotar a cidade de um estabelecimento de ensino médio, em 2010 as necessidades de Cambuí podem ser outras. Adianto aqui algumas que penso ser importantes: museu, arquivo público e biblioteca.

Proponho encontros bienais de ex-alunos do CEAFS para trocar lembranças e discutir esses e outros temas.

Eneida Carvalho Ferraz Cruz, São João del-Rei, 28 de fevereiro de 2010.