O Montanhês

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José do Carmo Eiras (1917-2006), o Zé Montanha, ganhou este apelido por ter sido gerente da A Montanha, jornal semanal que circulou em Cambuí entre abril de 1948 a dezembro de 1950. O jornal tinha como diretor-responsávei o deputado Milton Salles, da UDN, e, além de fazer o jornal como tipógrafo, Eiras publicou vários poemas satíricos assinados como Montanhês. Os poemas tinham dupla função: satirizar os políticos adversários e preencher os espaços em branco conhecidos como “calhau” na gíria dos gráficos.

Se na oposição estava a A Montanha, na situação tinha A Gazeta, dirigida pelo advogado Haley Lopes Bello e tendo como tipógrafo Pedro Nogueira, que obviamente passou a ser conhecido como Pedro Gazeta. E é sobre um escorregão deste jornal, que o Montanhês satiriza pela primeira vez em 5 de dezembro de 1948. Um certo réu teria sido “absorvido" pelo advogado Bello.

Eis um ‘belo’ advogado  
Que põe alma na defesa  
E o homem - tento contado - 
Vai pra rua com certeza... 
Pois manejando o Direito  
Vejam só, meu Deus do céu – 
É preciso ser perfeito  
Para ‘absorver’ o réu!... 

(Numa nota no pé do poema, o Montanhês avisa que "absorvido" quer dizer "engolido, consumido, recolhido em si").

No poema seguinte (A Montanha, nº 34, 121248), o Montanhês satiriza a ordem do prefeito do PSD, João Batista Lopes, para que o Posto de Saúde só funcionasse do meio-dia às 16 horas. Há no poema uma notável atualidade sobre a saúde pública.

Muito bem, Senhor Prefeito!
Tudo tem que ser bem feito  
Ordem em tudo, isto sim!  
Somente o que não tem hora  
E que entra noite afora  
É bilhar ou botequim  
Se é pobre, cambuiense
O Posto é teu, te pertence  
Respeita, porém, o trato:  
Se tu ficares doente  
Assim, sem mais, de repente  
‘Tem que ser’ das doze às quatro!  
Se tiveres congestão  
Ou mesmo intoxicação  
Dor de calo, ou outra dor  
Podes ficar sossegado  
Serás logo medicado  
No Posto pelo doutor  
Mas, por Deus, tenhas juízo!  
Lembras-te sempre do aviso  
Esquecê-lo é fatal!  
Se chegares adoecer  
É preciso, ‘tem que serdas doze às quatro! Que tal?!..."

Em 19 de dezembro de 1948, a sátira do Montanhês ataca o prefeito naquilo que é matéria-prima de todas as sátiras: a moralidade pública. Caminhões do prefeito estariam sendo pagos por serviços prestados à Prefeitura sem concorrência. No meio da sátira, os trocadilhos com a palavra "sal" se referem ao contrabando do produto feito durante a Segunda Guerra.

"A Gazeta" domingo vinha  
Distribuindo louvaminha 
Ao nosso "caro" prefeito:  
"No começo foi ferreiro...  
Em ser honesto, o primeiro:  
Homem limpo e é direito!... 
Depois num grande salseiro  
Quem ganhou muito dinheiro  
Com a guerra, aos montões?  
Salvando esse salvatério  
Do comentário, o critério  
Do caso dos caminhões!  
Co'esse recurso confuso,  
De guerra... caminho escuso...  
Câmbio negro... (Que embrulhões!)  
"A Gazeta" deu resposta  
À história (sem proposta)  
Do caso dos caminhões!... 
Vale à salvante embrulhada  
(Lenga-lenga salmodiada)  
Que "inocenta" os chefões!  
Salvaguarda da aparência  
(Salário sem concorrência)  
Do caso dos caminhões!... 
Que o Prefeito foi ferreiro 
Teve...e tem dinheiro... 
De acordo, sem senões!... 
Mas — que diabo! — em que ficou  
("A Montanha" publicou)  
O caso dos caminhões?..."

No número seguinte, de 26 de dezembro de 1948, o Montanhês volta a pegar um besterol publicado na A Gazeta. O jornal do PSD, através do seu colunista "Mutuca" (Não se sabe até hoje a identidade correta do "Mutuca", entretanto as suspeitas recaem sobre Antônio Anastácio de Moraes, o "Tonho do Nico", funcionário publico), deseja que o número de placas colocadas em Cambuí pelo prefeito João Lopes seja bem maior do que as colo¬cadas pelo ex-prefeito, também do PSD, José Nascimento.

De São Paulo, o Mutuca  
Em carta, agora, cutuca  
O prefeito a emplacamento  
Placas e placas sem fim:  
‘Placas em tudo! Vá por mim  
Siga o José Nascimento’  
Quanto a isso, não contesto  
E a favor me manifesto  
Do tal da placamania!  
Meteu placa em todo o lado  
Da cadeia ao mercado...  
Salve o ‘ex’ da placaria!... 
E aqueles que inda virão  
É certo, lembrar-se-ão  
Desse governo a...placável  
Que com placa...bilidade  
Governou nossa cidade  
Fazendo tudo notável  
Segui-lo deve o Prefeito  
Emplaque todo o seu feito  
Eis uma ideia aplicável 
E não quero implicar:  
Tente com a placa aplacar  
O murmúrio im...placável.

O último poema do "Montanhês" apareceu no número 37 de A Montanha, de 2 de janeiro de 1949. Um surpreendente defeito mecânico num gramofone revela o político.

Possuía meu conhecido  
Alguns discos e um gramofone  
E ao sentir-se aborrecido  
Entediado ou mesmo insone  
Infalível ser ouvido  
Para as mágoas espantar  
Polcas e valsas chorosas  
Dessas próprias pra ninar... 
E o que mais me divertia  
(Ficando ele atrapalhado)  
Era um disco em qual se ouvia  
Um discurso tão gozado  
Dum político que existia  
Numa vila, o Sô Leutério  
Nele o tal se elogiava  
E num rompante exclamava  
- Eu sou um homem muito sério!  
É que tanto ele tocava  
O disco veio a estragar. 
A agulha não avançava  
E o pobre do Só Leutério  
Começando a discursar  
Exclamava sem cessar  
"Sério... sério... sério..." 
Assim é o caso presente  
Da Gazeta com o Prefeito  
"Homem honesto e direito?"  
Ele somente! Ele só...mente"

O último número, 129, de A Montanha circulou em 10 de dezembro de 1950. Com a chamada A quebra da luz, o jornal ficou sem energia elétrica para ser impresso. Zé Montanha mudou-se com família para São Paulo.


Luís Carlos Silva Eiras

Referências[editar]

A Montanha, jornal

A Gazeta, jornal